28.12.06

O mau exemplo

Portugal foi com muita sede ao pote. E consumiu o que tinha, o que lhe deram e o que, acreditou, lhe iriam dar gratuitamente. Os portugueses viram na Europa o oásis do paraíso. Descobrem agora o purgatório. E, pior ainda, não acreditam que o crédito é algo que se paga com juros. Todos, do Estado aos comuns portugueses, viveram como Ícaro: julgaram que voavam sem produzir. O resultado, como lembrou agora a União Europeia, foi um trambolhão. Portugal, agora, é um mau exemplo. Mas todos temos de compreender porquê. Não é difícil. O que comemos vem do estrangeiro. A taxa de aproveitamento escolar é desastrosa. Não investimos no presente nem no futuro. Os portugueses acreditam que os seus problemas se resolvem como no passado: com as especiarias da Índia, com o ouro do Brasil, com o dinheiro da União Europeia. E, agora, com o jackpot do Euromilhões. Com maus exemplos assim para que é que a Europa precisa de bons exemplos? Assim, nada como prevenir. Para depois não ter de remediar.

26.12.06

Alice em Portugal

Alice do País das Maravilhas escolheria Portugal para viver em 2007? Quereria ela ser a líder do grupo de rock'n'roll que desafiaria Sócrates para um concurso de cantorias, já que a oposição, às vezes, parece rouca? Iludindo o contínuo declínio deste recanto, Sócrates garante o oásis. Ele marca a agenda, mas o seu trabalho marcará o aumento de qualidade de vida dos portugueses, ou tudo não passa de um fogo de artifício? Sócrates tornou-se a costureirinha de Portugal. Com menos serviços do Estado e com uma política cega de corte e costura promete o o mundo no céu e um trapinho decente para vestir na terra. Acredita que tudo o que exerce é em prol da nobre arte de fazer com que os portugueses pareçam menos pobres do que os habitantes de Malta ou da Estónia. Ao contrário do tribuno Cícero, que achava que a filosofia era a substituta por excelência da actividade política, acredita que é com o exercício do poder que tudo se resolve. E que as grandes ideias podem ser leiloadas. Para serem trocadas por dúbios investimentos estrangeiros.

Olá Prefab Sprout!


No Natal, mão amiga ofereceu-me, para substituir as minhas antigas cópias de vinil, 38 Carat Collection, a colectânea de uma das mais fabulosas bandas da década de 80 e 90, os Prefab Sprout. O grupo de Paddy McAloon trouxe-nos doces sonoros como Hey Manhattan!, Cars & Girls, Appetite, A Prisioner of the Past, Cruel, Nightingales ou When Love Breaks Down. É um privilégio escutar canções de um dos grandes compositores pop europeus que se rendeu às grandes planícies norte-americanas. Paddy pode não ser The King of Rock'n'Roll, não ser um poeta como Morressey ou um trovador irónico como Green Gartside dos Scritti Politti, mas a acidez da sua escrita faz-nos pensar. Enquanto assobiamos.

22.12.06

Guerra de estrelas

Os militares romanos tinham um hábito salutar: hibernavam no Inverno e combatiam quando o sol convidava ao exercício guerreiro. No CDS/PP os generais preferem arranhar-se quando está frio e lamber as feridas no Verão. É um direito constitucional, que poderiam não confundir com dever. Ribeiro e Castro, um Júlio César que passa as noites a sonhar com assassínios políticos, virou-se contra Nuno Melo, líder parlamentar. O resultado é o desgaste continuado do pequeno partido oposicionista. Que continua órfão de Paulo Portas. Mas, enfim, com oposição como este CDS/PP o que pode preocupar Sócrates?
O último número da Economist é dedicada à relação da felicidade com o dinheiro. Algo que foi mudando ao longo das últimas décadas. Para a revista não é evidente que menos trabalho signifique mais felicidade. Mas hoje políticos e economistas centram-se na resolução de um conflito: como fazer as pessoas felizes? E a própria psicologia é uma ciência que é misturada com a economia e a política para ajudar a resolver este dilema. Um excelente livro, que tenho lido pausadamente nas últimas semanas, “Stumbling on Happiness” de Daniel Gilbert ajuda-nos a perceber melhor este universo central nas sociedades modernas. “Não há fórmulas simples para encontrar a felicidade”, escreve o autor.
Keynes considerava, pelo contrário, que mais tempo livre nas sociedades mais ricas levaria os seres humanos a apreciarem os prazeres da vida. Mas muito desse tempo livre foi gasto em consumo: de horas inúteis de televisão, a visitas sem sentido aos hipermercados. Em suma vendemos o nosso tempo livre em troca de trabalho que nos permite consumirmos e termos uma noção nova de felicidade. David Gilbert diz que há felicidade emocional, moral e de julgamento. Mas será que alguma vez as chegaremos a ter?

21.12.06

Sempre a fechar

Em relação às escolas e aos centros de saúde a política do Governo é típica de uma fotossíntese panfletária. A luz faz com que finja que liberta oxigénio. Refugia-se no quadrado de Aljubarrota da rapidez e eficiência. É por isso que fecha hospitais com argumentos financeiros e faz disso um grande Carnaval. O fecho de 900 escolas do 1º ciclo faz lembrar os bigodes de Dali: é algo ridículo. Em nome do hardware o Governo corrói o software do país. Sócrates é o Dom Quixote da cultura da certeza. O ministro das Finanças é o seu Sancho Pança. E já nem se sabe que papel desempenham nesta parábola os ministros da Saúde, da Educação e da Economia. A de arrumadores de automóveis?

Comer bem

Finalmente li, com imenso atraso, um livro delicioso: porque é bonito e apela às papilas gustativas. Trata-se é “Façam o favor de ser Felizes” de João Carlos Silva. Faz-me lembrar os estimulantes programas de televisão de um grande comunicador. E faz-nos ter vontade de conhecer São Tomé e Príncipe.

19.12.06

O tigre da electricidade

Consta que existe uma Assembleia da República. Eleita pelos cidadãos. E estes deveriam estar interessados, através dos seus representantes, em escutar o presidente demissionário da ERSE. Nada disso aconteceu. O Governo faz estalar o chicote, porque não quer ouvir o que se passa no sector da electricidade. E a AR saltita, como animal amestrado. A AR tornou-se o tigre de papel do Governo. Não mete medo a Sócrates. Aterroriza-se com a sua voz.

Onde está Freud?

O PSD assemelha-se a um concurso de beleza. Os candidatos não parecem querer destronar Sócrates. Estão entretidos a estender a casca de banana a Marques Mendes. O PSD parece um divã. À espera de um Freud que chegue num Mini a um qualquer congresso.

Classe menos média

O último número do Financial Times Magazine traz uma estimulante reportagem sobre a globalização e os receios da chamada classe média, cada vez mais entre a espada e a parede na Europa e nos Estados Unidos. Escreve o jornal: “aqueles que estão no ansioso meio agora lutam para suportar o estilo de vida que eles viam como um direito”. Uma série de famílias de vários países mostram o que mudou. Por exemplo, os Rajoras que têm um supermercado em Nova Delhi, tem visto a rua onde têm o seu estabelecimento comercial, das mais caras da capital indiana, a ser abandonada por famílias tradicionais e a ver a chegada ao mesmo lugar da Levi’s, da Adidas ou da Benetton. Os Rajoras sentem, no entanto, que têm armas para os combater: melões do Afeganistão, kiwis da Nova Zelândia, uvas da Califórnia e frutas e vegetais da Índia. Mas a Wal-Mart e a Tesco já lá chegaram. As classe médias indianas ou turcas crescem. Mas o que será o futuro? Com tanto sol que todos terão de usar óculos escuros?

16.12.06

O flexi-desemprego

Portugal, diz-se com o delírio habitual que é típico dos governantes, aposta na formação, na educação e na tecnologia. Deve ser por isso, presume-se, que os jovens licenciados têm empregos mais precários dos que os que têm apenas o 9º ano de escolaridade. Como não há almoços grátis, a escolha de pessoal menos qualificado e, assim, mais barato, deve ser uma nova política governamental: o flexi-desemprego. Que tem como modelo o Camboja e Myanmar.

Surdez compulsiva

O presidente da Entidade Reguladora da Energia demitiu-se. Vozes maldosas dizem que foi porque o Governo tem uma política de dois ouvidos: ouve quando lhe dá jeito; fica surdo quando lhe interessa.

Chutos nas canelas

Maria José Morgado entrou no labirinto do Minotauro: os estádios do futebol português. Quando começar a ver as contas de mercearia destas agremiações beneméritas deve pedir transferência para uma comarca na mais remota ilha dos Açores. Ou então acontece uma chicotada psicológica. E se Maria José Morgado utiliza, contra os dirigentes do futebol, a célebre táctica de “até à cabeça tudo é canela”. E começa a acertar onde não deve? Ou não devia, segundo alguns?

15.12.06

O Mandrake da saúde

O ministro Correia de Campos persegue um fantasma: o défice do sistema nacional de saúde. Mas, de tanto o perseguir, não se sabe se não é ele o próprio fantasma que assombra a saúde dos portugueses. Correia de Campos não tem coração: numa requintada operação este foi substituído por uma calculadora. As suas acções são dignas dum Adamastor. Fecha unidades disseminadas pelo país. Prepara-se para retirar do centro de Lisboa hospitais e centros de primeira necessidade para as populações. Elimina subsistemas de saúde que, porque funcionam bem demais, devem fazer parte da bagunça instalada.
O apoio ao SNS e aos utentes está a ser asfixiado em nome da boa gestão. Já se viu quem vai ganhar com tudo isso: as seguradoras que se preparam para aumentar os preços dos seus serviços; e, claro, os hospitais privados. Correia de Campos é o Mandrake da saúde: finge que dá com uma mão e tira com as duas. Não deveria, depois disto, ter direito a reforma antecipada?

A vitória dos blogs

O último número da revista francesa L’Express dedica um dossier aos blogs e aos sites. Vale a pena ler. Até porque nos permite reflectir sobre a sua influência na vida social das nossas sociedades. Nos textos dá-se um exemplo muito interessante: nas eleições presidenciais da Coreia do Sul de 2002 o site OhmyNews recebia 20 milhões de visitas por dia. Resultado: um polémico advogado coreano acabou por ganhar as eleições.

13.12.06

Justiça desportiva?

O futebol português é a caricatura mal feita da nossa política. Por isso dirigentes desportivos e políticos são sósias. Não apenas na forma, mas também nos interesses comuns que levaram a que as suas carreiras sejam similares. Seja como for a justiça parece incapaz de ver o que está por detrás da teia em que as aranhas do futebol criam a sua feliz existência. De vez em quando lá surge um escândalo para animar as hostes. Depois voltam as águas paradas do pântano onde todos têm medo de colocar uma mão. É por isso que o livro de Carolina Salgado é uma pérola alimentada pelo viveiro mal cheiroso do futebol indígena.
Tanto escândalo para quê? No dia em que o Estado deixar de colocar alguns dos seus agentes nos órgãos desse poder paralelo que é o futebol (não só o português, mas o da Uefa e o da Fifa) talvez a ceifeira debulhadora da justiça avance. Mas aí os telhados de vidro partirão a cabeça a líderes de quase todos os clubes e SADs.

Yuppies regressam?


Os yuppies estão de volta. Quem anuncia o seu regresso em força, depois de anos escondidos na penumbra, ofuscados pelos Generation X criados por Douglas Coupland, é a revista Details. São os yuppies 2.0, que substituíram, entre outras coisas, o Sony Walkman pelo Apple iPod. Segundo a revista tudo tem a ver com rendimentos: quem declarou guerra aos yuppies e à sua frivolidade, ganhava pouco e tinha inveja. Hoje, com mais dinheiro e crédito, os hábitos de consumo dos outrora críticos alteraram-se. E vestiram os fatos dos velhos yuppies. Mas, permitam a dúvida, será que a nossa sociedade é hoje tão aparentemente paradisíaca como foi nos anos 80? Ou tudo não passa de um folclore alimentado pelo medo do futuro?

Ritmos de Angola

Um disco histórico é Angola, As 100 grandes músicas dos anos 60 e 70. Um registo que nos permite sentir a vida cosmopolita deste país que se perfila como uma das grandes potências do futuro, mas que demonstra como aquilo que é hoje a rica modernidade da música angolana tem uma tradição invejável. Para entender o presente nada como escutar estes deliciosos ritmos do passado, onde escutamos os N’Goma Jazz, Sofia Rosa, os Águias Reais, Carlos Lamartine ou Elias diá Kimuezo. Para ouvir a todas as horas.

8.12.06

Gerir como Tony


Um livro que se recomenda aos governantes e líderes oposicionistas portugueses é o inimitável “A Gestão segundo Tony Soprano” de Anthony Schneider. Tony sabe o que quer e tem um plano para o conseguir. Actua inteligentemente, rapidamente e executa bem. Vê o “grande filme”. Delega e permite a autonomia. Mas pressiona. Por exemplo, quando Ralph faz uma objecção a uma decisão de outro capitão, Tony diz: “Alguém pediu a tua opinião”?
Quer liderar: “Eu sou o sacana que manda aqui”. Os métodos de Tony não são ortodoxos. Mas ele resolve tudo com um sorriso nos lábios. Em Portugal verifica-se o oposto: o mau humor impera. Até os políticos parecem zangados com a vida cada vez que aparecem na televisão. Como é que, assim, os portugueses podem acreditar no futuro?

Canivete governamental

O novo canivete suíço tem instrumentos com 85 potencialidades. O Giant, assim se chama este faz-tudo, pesa cerca de um quilo e é o sonho de soldados a astronautas da Nasa. Fico na dúvida se o Governo de Sócrates não deveria encomendar uma dúzia deles para distribuir pelos ministros mais necessitados: o das Finanças, da Educação, da Saúde e dos Negócios Estrangeiros. Com canivetes destes conseguiriam resolver todos os seus insolúveis problemas. E aqueles que, como se fossem Castafiores, causam cada vez que cantam na loja de cristal que é Portugal. Deixando cacos por tudo o que é sítio.

Pobreza mundial

O Instituto Mundial para o Desenvolvimento Económico revelou um estudo elucidativo: 2% da população mundial tem a maior riqueza, em propriedades ou dinheiro. Há países em que os habitantes têm um rendimento anual de 200 dólares. E depois ainda há quem se admire que surjam fenómenos como o de Hugo Chávez. Um dia destes chegarão ao coração da Europa dos pobres. E depois as cabecinhas bem pensantes de Bruxelas e de Davos vão ficar muito admiradas com o facto.

Big Brother

A ERC está a querer tornar-se no Big Brother dos pequeninos. A sua deliberação, que chega ao cúmulo de dizer que o colunista Eduardo Cintra Torres quebrou o “contrato” que o liga ao jornal “Público”, é típica de um texto de ficção científica. Lê-se e não se acredita. Ou então acredita-se e ficamos aterrados.

5.12.06

O melhor opositor

O eterno candidato a líder do PSD, uma espécie de candidato do um passo à frente e dois à retaguarda, deu uma entrevista ao DN. Luís Filipe Menezes diz, entre outras coisas, que “Marques Mendes ainda não sabe fazer oposição”. Lendo nas entrelinhas, Menezes diz que ele é que sabe fazer oposição. E, quem está de fora da vida partidária do PSD, sabe que o autarca tem razão. Ele é especialista a fazer oposição: a quem é líder do PSD. Menezes clama: a minha oposição é melhor do que a tua. Enquanto o PSD faz batalhas de flores deste tipo, Sócrates colhe os louros da vitória sem necessidade de combater.

Faltam conquilhas

Está finalmente disponível em CD, um dos mais importantes discos da música portuguesa das últimas décadas: Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos da Banda do Casaco. Entre a modernidade e a tradição, este disco perdido de 1977, é de uma actualidade contagiante. E cantavam: “E vieram os falsos/cada falso/trouxe um falso/E assim o mundo/se fez falso”. Sobre um mundo tão falso como a actual vida política portuguesa. Feita de falsidades que muitos tentam vender como verdades.

Vacas magras

O BCE vai aumentar as taxas de juro. Os portugueses, com os bolsos rotos, vão pagar mais pelas casas e pelos carros que vivem na ilusão de que são seus. Os juros não vão parar por aqui. 2006 foi um ano de vacas magras. 2007 promete ser um ano de vacas cadavéricas a passearem por centros comerciais. A verem. E a sonharem com o que desejariam comprar.

O frio de Hopper


Um dos meus pintores preferidos é Edward Hopper. A forma como os seus trabalhos representam a vida humana nas cidades e no campo, a solidão, o silêncio, o olhar sobre o deserto em que sobrevivemos, é de uma modernidade exasperante. A frieza do seu traço, o ar gelado dos personagens que aparecem nos seus quadros, fazem-me lembrar os homens e mulheres que Raymond Chandler utilizava para os seus policiais. E que hoje voltamos a encontrar nas ruas.

2.12.06

A idade do vazio

Há cinco anos a excelente revista da Tate dedicou um número aos mitos urbanos. Num dos textos escrevia-se mesmo: “a cidade contemporânea é o campo de batalha da Guerra das Marcas” E, entre a pressão empresarial e a arquitectónica, a primeira definia cada vez mais as grandes urbes. Por isso os grandes centros urbanos estão a modificar-se. As “cidades virtuais” são cada vez mais importantes. E ninguém parece perceber isso. Tudo isto vem a propósito do debate insípido sobre a localização das chamadas “salas de chuto” de Lisboa.
Cada galinha acha que o ovo da serpente deve ser colocado num aviário diferente. É isso que faz com que esse neurónio bem pensante chamado Manuel Maria Carrilho venha dizer que elas ficavam bem em zonas onde não haja zonas residenciais consolidadas e existam muitos consumidores de “produto”. O exemplo que deu foi o do Intendente. Carrilho, claro, nunca deve ter reparado que, contra a sua tese modernaça, o Intendente fica no centro dos dois mundos de que se faz a sociedade urbana actual: a renovação da zona residencial dos Anjos (das mais belas de Lisboa) e o comércio étnico que foge aos grandes centros de consumo, o Martim Moniz.
Carrilho não entende que ali se está a consolidar o mundo da nova Lisboa, que foge aos condomínios onde alguns se refugiam do mundo real. As “salas de chuto” podem ficar num qualquer local. Mas não com argumentos inócuos como os que fazem Carrilho o filósofo da idade do vazio.

Enigmático Pynchon

Um dos mais enigmáticos escritores norte-americanos, Thomas Pynchon, tem um novo livro, Against the Day. Estou desejoso de o ler. Afinal ele é, como Don DeLillo ou Jonathan Franzen, um dos autores que ilumina a sociedade ocidental e nos permite compreender o mundo de conspirações e incertezas em que vivemos. Foi tudo isso que encontrámos em livros como V ou Gravity’s Rainbow. E que, presume-se, se descortinará em Against the Day. Deter o conhecimento e o poder são temas centrais no seu mundo, onde a ficção se cruza com a realidade e acerta em cheio na globalização. E é isso, neste deserto nivelado de ideias fúteis que se tem construído à volta do consumismo, que tanto falta aos cidadãos desesperados deste início do século XXI.

A grande fuck

Foi há 30 anos que explodiu o último grande movimento urbano de contestação à sociedade de servos da gleba que se tem vindo a construir em nome da liberdade de escolha: o punk. Os Sex Pistols foram a um programa de televisão e disseram a palavra que os vitorianos ouvidos britânicos se recusavam a escutar em público: fuck.
O resultado foi um grande resultado de marketing: o grupo apareceu nas capas dos tablóides britânicos. O realizador Julien Temple chamou-lhe um acto de comédia negra. E o ideólogo Malcolm McLaren criou uma lenda. E ainda bem que assim foi. Afinal o punk vinha da rua e não era fast-food como os chamados grpos de Hip-Hop que surgem na MTV e as boys bands criadas pela televisão. Hoje tudo é limpo. Os Sex Pistols eram sujos. E faziam pensar.

30.11.06

A geração do déficit


Há frases que continuam actuais. Mesmo mudando os regimes e os Governos. O país é o mesmo. E pouco muda. Dizia, em 1867, Eça de Queiroz: “Numa palavra, o deficit quer antes uma atenuação que uma salvação: a atenuação liberta-nos a todos; a salvação mata os vindouros; o desleixo mata-nos a nós e aos vindouros; se vamos agravar o deficit, se não andamos prudentemente na questão financeira, se lançamos indevidamente impostos, se não cortamos certas despesas, se não coibimos certas necessidades, preparamos a bancarrota para as gerações infelizes que hão-de vir”. Por isso, nem oito nem oitenta…

Sopa dos pobres

Só os críticos malévolos, que passam a vida a difamar o Governo é que não reparam que o país está diferente. É isso que dizem os ministros de Sócrates. Eu também vejo qualquer coisita. Na Avenida Almirante Reis o país mostra que está a mudar: a fila para a sopa dos pobres, que há um ano tinha dezenas de pessoas, tem hoje centenas num carreiro interminável. Esse drama não aparece no plano tecnológico e na flexisegurança governamental.

Segurança flexível?

O Governo, sempre tão moderno, sequioso das grandes ideias que são moda no estrangeiro, quer agora importar da Dinamarca e da Holanda a “flexisegurança”. Um ministro já disse que a aplicação do conceito não será “mecânica”. Portanto deverá ser a vapor ou mesmo à vela.
Claro que aplicar um princípio vigente num país onde há mobilidade de trabalho, onde empresários e trabalhadores se entendem à mesa das negociações, onde a segurança social é eficaz (como é o caso da Dinamarca), num onde tudo isso é uma ficção dissimulada de realidade (como é Portugal), é um delírio.
O Governo português sonha acordado e julga que ninguém vê os pesadelos criados porque todos andam a dormir. Estamos de acordo com a flexibilidade. Mas e a segurança, senhor, onde é que ela está escondida? Debaixo da cama do ministro como a Maga Min?

28.11.06

Governo fotossíntese

Os ministros do Governo de José Sócrates estão reféns da matemática. Numa mão têm uma tabuada, noutra um papel pardo e, na orelha um lápis mal afiado como o que se usavam nas antigas mercearias. Têm um único problema: não sabem somar, apenas aprenderam a subtrair. A sua única actividade é o corte. Porque ainda estão a ter aulas de costura.
Agora são as universidades que vivem a soro. Nem já há dinheiro para pagar o 13º mês a professores e funcionários. E, se hoje há conquilhas magras, para o ano não sabemos. A tudo isso o Governo faz ouvidos de mercador: a sua voz troveja, dizendo que a aposta é a educação e a tecnologia. Mas, na realidade, actua como Jack, o Estripador: asfixia as universidades.
O Governo de Sócrates é o exemplo perfeito da forma como se destrói a função fotossíntese das universidades. Tira-se o oxigénio para que elas libertem dióxido de carbono. E assim nos aproximamos alegremente do Quarto Mundo.

Pérolas

No baú de tesouros desaparecidos descobri um disco de 1982, aquele que presumo ser o único álbum das escocesas Strawberry Switchblade. A versão é japonesa, onde nestes últimos anos, se têm colocado no mercado de CD muitas das pérolas desta época esquecida. O som gótico e melódico de Jill Bryson e Rose McDowall, está aqui presente e serve como luz destas tardes de pouco sol e muita chuva. Nele encontramos uma das minhas canções preferidas de sempre: Trees and Flowers. Uma visão ironicamente cruel do mundo urbano cheio de betão, onde as cantoras dizem, como se fosse um chilrear de passarinho que odeiam as flores e as árvores. Uma beleza cruel…

Misérias da idade moderna


No “The Independent” a célebre canção de Morrissey, “Heaven Knows I’m Miserable Now”, serve como mote para um texto sobre a riqueza e a pobreza das nações. A tese é simples: antigamente para se saber o grau de bem-estar de um povo somava-se a inflação e a taxa de desemprego. Quanto mais alto o índice, maior a miséria. Hoje esse índice é baixo. Baixou o desemprego e a inflação. Puras ilusões. Até porque as preocupações dos cidadãos são outras: o seu peso na sociedade e a vulnerabilidade económica da sua existência.
Muitos dos cidadãos têm visto aumentar os seus rendimentos mas a maioria, na Europa e nos EUA, perderam capacidade de compra e sentem-se inseguros com o futuro. A globalização trouxe novas oportunidades para muitos mas reforçou a insegurança na outrora fulcral classe média. E o desaparecimento desta está a corroer o sentido cívico que dava força às nossas sociedades. E chama-se a isto a revolução tecnológica e económica...

26.11.06

Darth Vader

Os Governos têm, muitas vezes, a tentação de ser pastores de almas. De domesticarem, com as suas leis, aquilo que consideram ser as ovelhas que pastoreiam. É isso que parece estar a acontecer com o executivo de Sócrates.
A possibilidade de a ERC de, entre outras coisas, obrigar as televisões a manter as grelhas de programação a 48 horas da sua emissão ou a possibilidade de mandar interromper a emissão se houver infracções graves à programação, é um sinal de fumo. Do churrasco que o Governo parece querer transformar a comunicação social. A televisão é hoje o meio mais importante para homogeneizar a sociedade que tem sido transformada em mera consumidora. De telemóveis ou de notícias.
Transformar a ERC em detective da decência é tornar o Governo no ecrã gigante da verdade. Por detrás destas leis inocentes há sempre um Darth Vader. Há muito que o Governo deixou de ser um guerreiro Jedi. Mas, ultimamente, começa a entender-se que há uma força negra por detrás das suas atitudes. Começa a ser necessário à sociedade portuguesa saber quais são as medidas do Governo com 48 horas de antecedência.

Sete vidas


Os gatos têm sete vidas. Os homens (e as mulheres) têm, aparentemente, só uma. Às vezes compreendemos como tudo é efémero. Embora há quem sonhe, erradamente, que pode transformar a sua pequena vida em ouro que dura para sempre.

Outras verdades

Na Internet há um site que já não dispenso: www.truthout.org. Como o nome indica procura ser uma voz das “outras verdades” sobre o mundo, que não se esgotam nas notícias oficiais, das “fontes” e das “agências de comunicação” mais ou menos oficiosas. O seu conteúdo integra material próprio e também uma síntese do que jornais como “The Guardian”, “New York Times” ou “Le Monde” trazem. Para entender melhor o mundo em que sobrevivemos.

24.11.06

A canção do elefante branco

Ainda antes de abrir a loja de porcelana da Ota ela já se transformou num elefante branco. Já destruiu todos os orçamentos. E o desastre promete não ficar por aqui. O que é o défice comparado com o elefante branco em que se vai transformar a Ota?

Comida global


Não suficientemente entusiasmados por todos vestirmos de forma igual, usarmos as mesmas marcas e seguirmos como cordeiros domesticados o mé-mé da globalização, há quem utilize o seu neurónio a pilhas para nos convencer que se comermos todos a mesma coisa, seremos mais um fruto do “american dream”.
Uma das maiores marcas de “fast food” norte-americanas está a tentar registar a patente de “direitos de propriedade intelectual” sobre os hamburgers e sanduíches que produz como se fossem frutos do aviário do Freixial. Isto é: se isso for aprovado, adeus sandes viçosas das nossas tascas e de tantas outras espalhadas pelo mundo. Comida global!
O que mais poderá acontecer? Bush será equiparado a “copyright”?

O prazer de ler

Nestes últimos dias tenho lido com imenso prazer “E se eu gostasse muito de morrer” de Rui Cardoso Martins. Um livro que, mais do que um cruzar de histórias sobre a melancolia e o Alentejo profundo onde o deserto da vida se vai instalando enquanto nascem mil condomínios (com vista para o campo…) em Lisboa e Porto, é um retrato do confronto da inocência com a terrível teia que é a sociedade que nos engole. Um prazer.

As excepções sem regra

O Governo gosta de dar murros na mesa. Cansa-se mesmo de os propagandear. Diz que as medidas firmes por causa do Adamastor do défice são para todo o país cumprir. Sem excepção. Só que há um sempre um “mas” neste jardim de betão. Em Portugal não há regra que não seja torpedeada por uma excepção. E, normalmente, é o próprio Governo que escorrega na casca de banana da sua firmeza. Agora, segundo parece, os estádios de futebol já não vão pagar imposto sobre os imóveis. As regras, para este Governo, estão sempre abertas a excepções que parecem bolos de creme. E, com papas e bolos…

22.11.06

O país dos pareceres

Pode não haver dinheiro para a Festa da Música. Ou para comprar equipamentos para o IPO no Porto. Ou para manter escolas e serviços de urgência no país, mas Portugal tem os bolsos cheios para esbanjar em esmolas destinadas aos mais afortunados.
Segundo parece, o OGE de 2007 tem 95 milhões de euros destinados a pagar fundamentais pareceres e estudos que, como se viu o caso do que analisou os fogos florestais deste ano, normalmente se destinam a dizer, em mais palavras, e com um aspecto gráfico mais atraente, o que já se sabia. Depois, já se antevê o que acontece. Os estudos, depois de cumprida a sua missão de serem divulgados com pompa no telejornal das oito da noite, vão parar à gaveta do esquecimento.
Faz lembrar o célebre relatório Porter. Nele gastou-se uma tonelada de dinheiro. Estudou-se o tecido económico do país e apontaram-se as vias para o futuro de Portugal. Resultado: uma década de anos depois continua a discutir-se a mesma coisa, com mais uns estudos feitos por um grupo de consultores que têm a fórmula mágica de transformar a arte do desenrasca em tecnologia de sucesso. Na Nova Zelândia sabe-se o que aconteceu. Porter disse: vocês têm mar. Dediquem-se às actividades que têm a ver com ele. Resultado: hoje a Nova Zelândia é o fornecedor dos barcos tecnologicamente mais avançados do mundo.

Tá tam tam!


A Festa da Música vai ser substituída por meia dúzia de espectáculos. Por opção cultural, segundo uns. Por falta de dinheiro, segundo quase todos.
Só sei uma coisa: aquela que é acusada de ser ministra da Cultura continua como Dom Quixote: avança sobre todos os moinhos que não giram à velocidade do seu vento. Resta saber é que, tantos passos em falso depois, o que é que está mal: ela no ministério, ou a sua política ser um mistério.
Já agora: porque não reconduzir a actividade do ministério às bandas filarmónicas? Distribuíam-se uns trocos pelo país real. Dava-se música ao povo. E bastava um funcionário para despachar os cheques. Assim poupava-se não apenas na Festa da Música, mas também no ordenado da ministra, do seu secretário de Estado, do gabinete e de tanta gente que “adora!, sei lá!!!” muitos museus lá fora e que fecha o que traz público em Portugal.

21.11.06

Frase para sublinhar

Há frases que deveriam, pelo seu simbolismo, ficar gravadas na nossa memória.
Como esta: “O protótipo do homem de sucesso na sociedade moderna não é o cientista, o inventor, o académico. É o financeiro, o jogador e os que têm poder social. Os outros dividem, às vezes, os ganhos, é verdade, mas essa divisão é modesta comparada com a dos oligarcas, e não mantêm os seus ganhos durante muito tempo”.
Palavras que anteciparam os dias de hoje e que foram escritas (quem diria?) há 50 anos por um político britânico: Aneurin Bevan. A sociedade veloz dos nossos dias encarregou-se de dar vida à bola de cristal de Bevan.

Memórias do som ausente


Nestes dias de Inverno, propícios a recordar o passado, tenho encontrado a versão em CD de muitos discos que foram a minha banda sonora na década de 80. Quando pequenas editoras apostavam na diferença e no risco e numa altura em que as rádios não estavam submetidas à ditadura das “play-lists”. Era uma época, cheia de ideais inocentes, em que as multinacionais não apostavam apenas em valores que vendiam milhões, fruto do “marketing”, da publicidade e da ligação ao que a televisão impõe como denominador comum do gosto. Lembro-me de editoras como a Les Disques du Crepuscule, a Cherry Red, a “velha” Virgin, a Rough Trade ou a Factory. De onde saíram oásis de beleza como a Joy Division, os New Order, os Smiths, os Young Marble Giants, Anna Domino, Durutti Column ou Pale Fountains. Beleza. As minhas tardes passam-se a escutar estes discos e também um, agora recuperado da obscuridade: “La Varieté” dos Weekend, o grupo de Alison Statton (a bela voz dos YMG), Spike e Simon Booth (que viria a criar os Working Week). Há aqui de tudo um pouco: influências da Bossa Nova, do jazz à canção popular francesa. É um disco grande. E sabe a pouco. Adoraria que tivessem feito mais canções, para aconchegarem tardes de nostalgia como estas.

19.11.06

Arranhadelas


A porta está fechada. Lá dentro Portugal finge que se move.

Um gato espreita, enquanto olha, também, para o mundo.

O sol continuará a iluminar o país ou vivemos em eclipse mais ou menos permanente?