7.2.08

GATO NO SOFÁ IX


A FRASE
To die leaving a multi-million-dollar global business empire is an achievement. To do so while countless devotees still regard you as a spiritual leader is about as likely as Yogic flying. The Maharishi Mahesh Yogi, guru to the Beatles, pulled it off.
Editorial do “Financial Times”, 7 Fevereiro 2008

Arquitectura do poder
As cidades modernas são um cruzamento entre o sonho arquitectónico de Le Corbusier e alguns outros grandes mestres do sonho urbano no início do século XX e as cidades que resultaram das pressões políticas, económicas, sociais e tecnológicas. Hoje os homens de negócios têm muito mais importância na definição das cidades do presente e do futuro do que os políticos (vejam-se as cidades-estados de Singapura ou Dubai, centros políticos da globalização económica, que podem viver contratando tudo o que necessitam e vendendo todos os serviços a sociedades de todos os continentes). Como dizia o director do Museu do Desenho de Londres, Deyan Sudjic, “os arquitectos são os políticos mais rápidos. Ainda que existam alguns que são tontos. Todos os políticos buscam o efeito Guggenheim”. Gosto de arquitectura e de perceber como podem ser construídos os símbolos culturais e políticos do futuro. Cada arquitecto, cada responsável técnico pelo sonho, revela no que fica concretizado, um sonho ideológico de deixar a sua marca no futuro. Por isso, imune à polémica sobre se José Sócrates tinha ou não assinado por outros vários projectos na região da Covilhã, fui ver as fotos das casas. Para perceber a dimensão ideológica do sonho de Sócrates. O que vi não me pareceu uma ideologia concreta. Apenas um catálogo de ideias dispersas, confusas e sem sentido. Não havia ali nenhum “efeito Guggenheim” que um dia pudesse ter transposto para a política. Parece-me, ao olhar para o percurso técnico de Sócrates, que são os homens que mandaram construir as casas, que definem o território. Sócrates alinhavou a técnica. A ideologia era-lhe alheia. E ontem, como hoje, a arquitectura do poder não nasce do sonho do político.

As dúvidas de Alípio
Ao dizer que houve “precipitação” quando se constituíram os pais de Maddie como arguidos, o director nacional da PJ, Alípio Ribeiro, mostrou que tem mais dúvidas do que certezas no caso. Mas, palavras como esta, na sua aparente simplicidade, são gasolina na fogueira que alguma imprensa britânica, bem oleada por uma infatigável máquina de comunicação, foi alimentando durante meses: que a PJ era incompetente, que a justiça portuguesa era uma ficção. A dúvida de Alípio tornou-se a certeza da propaganda britânica. Depois desta frase o editor do “News of the World” deve estar a rir como se estivesse a ver um filme dos Monty Python. Acredito que o director da PJ não durma tranquilo com as suas dúvidas. Agora quando diz que o responsável das investigações, Gonçalo Amaral, foi afastado porque “fez declarações que não se devem fazer naquele contexto”, apenas se pergunta: o director da PJ, ao fazer estas declarações, que enterram a justiça portuguesa aos olhos estrangeiros, deveria ser libertado das suas funções pelo ministro da Justiça ou deveria, sem precipitação, ter pedido para ir para casa descansar?

Sarkozy, o Estado e a Europa
Para quem o quer ouvir, Nicolas Sarkozy, mostra que está, a pouco e pouco, a criar uma França diferente, mais interventiva internacionalmente (não é por acaso que deixa no ar a possibilidade de uma intervenção militar unilateral no Chade), mas também com maior papel estatal. O que ele pensa, é o que muitos europeus começam a magicar: querem um Estado mais forte. Há dias Sarkozy disse, sem que se estivesse à espera, que o Estado deve intervir nas empresas e na economia, não tendo de ter uma posição neutra. Muitos viram aqui uma deslocação do eixo de pensamento central da UE, mas se olharmos para o caso da Société Générale, há muito a iluminar a ideologia neo-estatista de Sarkozy. O “rogue trader” Jérôme Kerviel, basta ler a imprensa francesa, está a tornar-se um herói popular. Até porque ele “veio de baixo” e o que fazia não era, aparentemente, para garantir recompensas financeiras para si. Há algo de muito curioso na França: por um lado sempre bebeu, fascinada, toda a cultura popular americana (do jazz aos McDonalds) mas por outro não quer nada com o capitalismo anglo-saxónico.

Reler António Vieira
O Padre António Vieira tinha um sonho optimista para Portugal. O passado tinha sido grandioso, o futuro seria maior, acreditava ele, embora alertasse para as nuvens colocadas por homens que tinham desígnios mais sombrios. Na bela “História do Futuro” escreve, por exemplo, que: “Naqueles ditosos tempos (mas menos ditosos que os futuros) nenhuma cousa se lia no Mundo senão as navegações e conquistas de Portugueses. Esta história era o silêncio de todas as historias. Os inimigos liam nela suas ruínas, os êmulos suas invejas e só Portugal suas glórias. Tal é a História, Portugueses, que vos presento, e por isso na língua vossa”. Nasceu há 400 anos e merece ser relido e sublinhado. Pelo sonho mas, também, pelo prazer da escrita.

Sons da memória
O último disco de Yasmin Levy, “Mano Suave”, é uma das mais belas pinturas sonoras que escutei nos últimos tempos. A jovem israelita foi buscar à comunidade Ladino (judeus que têm origem em Portugal e Espanha, e que foram para o exílio) grande parte das canções que interpreta. Yasmin mistura as canções tradicionais destes exilados judeus com o som do flamenco. Para ela tudo é mais do que uma linguagem única (falada talvez por 100 mil pessoas) mas sim de uma forma de vida. Mas do que isso, neste disco encontram-se influências da música turca e árabe. E Jerusalém, como pólo de três religiões (cristã, judaica e muçulmana) está a pairar por aqui. Para ouvir muitas vezes.

Ilustrações de ouro
O último número da “Vanity Fair” é dedicado a Hollywood, com uma bela capa de Annie Leibowitz com as “fresh faces”. Mas, no interior, traz um texto com uma colecção de ilustrações antigas da época de ouro do cinema. Como o que reproduzimos. Apetece aumentá-los e fazer quadros.