26.4.07

Bom dia, Simone


Chamam-se Au Revoir Simone e são a minha última paixão musical. Lembram-me a música pop diáfona dos idos da década de 80, quando se experimentava a melodia misteriosa, cheia de pequenas gotas de ideias e de frases que ecoavam como trovões. O disco tem como título The Bird of Music e poderia ser um rouxinol campestre no som urbano, obsessivo, agreste e corrompido. O meu voto vai para elas. Será que vêm, um dia destes, a Portugal? Estou na fila da frente para as ouvir num palco.

19.4.07

Piercings e recordações

Serpentes e Piercings de Hitomi Kanehara é um livro que nos devora. É o Japão hi-tech que se assemelha às grandes cidades do Oriente que conheço, onde em dias de chuva miudinha e calor, tudo parece Blade Runner. Lembro Hanói com os velhos em banquinhos a comer arroz ao lado de cybercafés, Bangkok sem horas para dormir, Ho Chi Minh City com bares que são modernos como poucos. Este é um livro sobre as tribos urbanas que não se renderam ao trabalho escravo disfarçado de sucesso. Ainda há lugar para Closer da Joy Division. Pouco. Mas fundamental para a vida, mesmo radical, ter sentido.

7.4.07

Foi há 25 anos


Foi em1982. Parece que foi ontem e poderia ter sido. Nas Falklands os britânicos combatiam. Hoje lutam no Iraque. Morrem. Na altura Elvis Costello e Clive Langer escreveram uma das mais belas canções contra a guerra de que há memória: Shipbuilding. A voz de Robert Wyatt dava-lhe alma. Assim:

Is it worth it?

A new winter coat and shoes fo the wife

And a new bicycle on the boy's birthday

It's just a rumour that was spread around town

By the women and children

Soon we'll be shipbuilding

Well I ask you

The boy said, "Dad they're going to take me to task

But I'll be back by Christmas"

It's just a rumour that was spread around town

Somebody said that someone got filled in

For saying that people get killed in

The result of this shipbuilding...

e a voz de Wyatt continuava a cantar o resto do poema. Parece que a única coisa que mudou, 25 anos depois, é que esta canção é uma memória cheia de feridas. Que nunca cicatrizaram.

6.4.07

o xadrez de Sócrates

A licenciatura de Sócrates tornou-se um jogo de xadrez. Dele contra quem o questiona. Mariano Gago e Santos Silva, cada um à sua maneira, são os seus bispos. É claro que o que se está a passar é tão confuso que causa dificuldades aos cidadãos, enquanto espectadores. Habituados a entretenimentos rápidos e que não exijam muita reflexão. Exemplo: o que o ministro Mariano Gago pede para investigar, pelos vistos, é as inúmeras contradições entre as estatísticas oficiais sobre licenciaturas na Universidade Independente, as transferências e as justificações do primeiro-ministro. O comunicado do ministro procura generalizar um caso isolado. O do seu chefe. E manda os seus investigadores investigarem um caso: o do seu próprio pastor. A licenciatura de Sócrates está a tornar-se um pesadelo com pés de barro. Alguém está com medo que a estátua tenha um suporte frágil.

4.4.07

Patrícia no mundo perdido

Patrícia Melo é uma diva da escrita brasileira. Lembra-me, Rubem Fonseca e, claro, o grande Nelson Rodrigues. Nos últimos dias li Mundo Perdido (edição Campo das Letras) que agora foi editado em Portugal. Ainda bem. Há justiça neste mundo. Recordo uma frase: Mas não gosto de pedir favor. De ficar devendo. As pessoas cobram. Mesmo as boas, as que dizem que cuidaram da sua filha. É verdade. O cobrador da vida bate sempre à porta. E cobra a dobrar, acho eu. Patrícia Melo achou a vida. É, nesse aspecto, uma Fernanda Abreu da escrita. As suas palavras soam a banda escrita de Silvinha Telles. Leiam. E escutem o som do Brasil que não é a preto e branco.