20.12.07

Veiga, o Harry Potter do Benfica?


José Veiga, aparentemente, quer ser o Harry Potter do Benfica. É um pensamento meritório. Nada que outros já não tivessem tentado, de Vale e Azevedo a Luís Filipe Vieira. Mas nem todos podem ser Borges Coutinho. Embora, compreensivelmente, tentem. É o caso de Veiga, que tenta criar o mito de que ele pode ser o “special one”: “esta é uma das marcas que mais diferencia os actuais gurus da liderança mundial no futebol: o modo implacável como separam o trigo (da unidade colectiva) do joio (do egoísmo individual). É assim José Veiga, é assim José Mourinho, e são assim todos os líderes que seguem escrupulosamente os mandamentos de uma relação no balneário sem protectorados nem discriminações”. Veiga, nota-se, quer. Mas entre o querer e o ser, há algo que os chineses compreendem como ninguém: é preciso paciência. E isso Veiga não tem.
O livro percorre a vida do empresário (desde que cresceu “a pulso” na vida até ir para o Luxemburgo e daí até à sua ligação a Pinto da Costa e a sua posterior ida para o Benfica). É muito bem escrito, por Camilo Lourenço e José Marinho. Desvenda Veiga onde ele pode brilhar. Esconde-o, onde ele dificilmente se poderia defender. Só um exemplo: o ex-jogador do Benfica, Tiago, é citado a propósito da sua compra ao Braga (por Veiga) e da sua venda ao Chelsea (por Veiga, supõe-se). Sobre as razões porque Tiago saiu do Benfica, a história foi reescrita pelo empresário de futebol. Há momentos de glória (Figo, as ligações a Joaquim Oliveira, a influência no futebol europeu…) que são bem assinalados. E há, claro, a conquista do campeonato em 2005 pelo Benfica. Segundo o livro, isso derivou da mudança de hábitos – “por detrás desse trabalho estavam dois homens: José Veiga, o director desportivo do clube, e o Giovanni Trapattoni, o treinador”. Este fora uma “escolha pessoal” de Veiga, como não poderia deixar de ser. E, no livro, em troca, elogia Veiga vezes sem conta. Mas não nos iludamos: José Veiga não é o James Dean de “Rebelde sem Causa” nem o Benfica faz de Nathalie Wood neste filme.
Pinto da Costa é o inimigo principal de Veiga. Luís Filipe Vieira, que não sabendo nada de futebol, lhe espetou uma faca nas costas, é o inimigo secundário. Com a diferença que é líder do clube de que Veiga quer ser presidente – o Benfica. “Os ensinamentos de Pinto da Costa eram o manual de procedimentos mais avançado que José Veiga podia ter, para entrar nos esquemas mais intrincados do futebol”, refere-se no livro. Fica-se na dúvida: mas o que se pretende para o Benfica, ter um Pinto da Costa vermelho, ou ter uma outra visão do futebol, como espectáculo (e, mesmo, como negócio)? Para Veiga o importante é uma “estrutura forte”. Para isso é preciso combater o sistema “e eu conheço-o bem, porque estive lá dentro” – se voltar, promete, dará a estocada final no sistema. As opiniões recolhidas, nem por acaso, são todas elogiosas. Compreende-se: este é o livro que pode fomentar o regresso, qual D. Sebastião, de Veiga ao Benfica. Claro que há um entrave: Vieira. Refere-se no livro: Luís Filipe Vieira “não tem sensibilidade para as questões do futebol (…) é por isso que o Benfica não ganha”. É aí uma das lacunas mais visíveis da obra: tudo gira à volta de dirigentes executivos e não de jogadores – peças de um mercado onde obtêm a glória, mas onde muitos interesses se movem por detrás. Desses, Veiga não fala. Mas Zahovic diz tudo por ele: “se um jogador passar uma informação para os jornais, de certeza que o Veiga vai ser o primeiro a sabê-lo. Tem tudo controlado”. Não se percebe: Veiga controla os jornalistas, as linhas telefónicas da PT, os jornais e páginas desportivas? Será um elogio ou uma crítica camuflada? A criadora de moda Coco Chanel dizia:”Balenciaga é único. Os outros são meros desenhistas”. Veiga, neste livro, parece ser o desenhador perfeito. Mas sê-lo-á?
O Benfica é uma cereja do cimo do bolo. Todos a querem comer. E isso não é um pecado de Veiga. O Benfica poderia, se quisesse, ser o esperanto futebolístico de Portugal: a linguagem, a cor, a marca, que todos gostariam de referenciar. Em Portugal. Nos EUA, na África do Sul, na Venezuela, em França, no Japão (imagine-se, nas vésperas do Mundial da África do Sul, em 2010, uma “tournée”, um ano antes, do Benfica a Joanesburgo, à Cidade do Cabo e, depois a Angola e a Moçambique…o que seria)? Um golpe de génio?
Qual é a fórmula para dirigir um clube? Veiga dá 10 mandamentos, onde o papel do director desportivo é fulcral. Eu modestamente acrescentaria: explorar as ineficiências do mercado de transferências; substituir os melhores jogadores, antes de vender estes; compre-se brasileiros ou africanos, ajude-se à sua adaptação, dê-se aos jogadores das escolas as mesmas oportunidades que se dão aos adquiridos (veja-se o caso vergonhoso de Moreira no Benfica); cresça-se devagar sem dívidas colossais; as transferências devem ser decididas por quem faz parte da estrutura profissional de um clube e não por quem está de passagem (a começar pelos treinadores e muitos dirigentes). Mas como isso não sucede em Portugal, todos podem sonhar. E, neste livro, o sonho ainda comanda a vida de José Veiga.

2 comentários:

João Villalobos disse...

Boa! Vou linkar no Corta-Fitas. Abraço

Luis Eme disse...

Ele não fala do jogo do Estoril no Algarve, pois não? Nem dos barretes que foi enfiando, com jogadores de quinta categoria rotulados de craques? Concerteza que não...

Perdia o brilho...