6.12.07

O GATO NO SOFÁ


As doenças são assim: atiram-nos, sem perguntarem se queremos, para a cama. Ou para o sofá. De lá vemos de outra forma o mundo. Com outras cores, como se fosse um arco-íris, do mais alegre ao mais sombrio. Durante algumas semanas é daqui, deste lugar confortável, que olho o mundo.

A FRASE

“A nossa calamidade natural não vem de Deus ou da terra, mas dos políticos de Brxelas”.
Gino Mazo, habitante de Decimoputzu (Sardenha), no Financial Times


A zanga de Merkel

Ângela Merkel está furiosa. Tudo por causa do salário de Wendelin Wiedeking (o novo director da Porsche), que vai auferir 60 milhões de euros por ano. Disse a chanceler alemã: “Lá porque um executivo de uma empresa de carros americanos ganha milhares de vezes mais do que um empregado”, um executivo alemão não deve ir no mesmo comboio. Em Portugal, pia-se mais fino.

Marcha de Lisboa

António Costa livrou-se da canga Sócrates e foi para a CML. Lá encontrou o PSD, que tenta que ele não peça 500 milhões de euros para pagar dívidas a fornecedores. Jogos políticos, em suma. Mas não imaginava que o PSD fosse tão cioso, nesta fase de partido-empresa, da defesa do Estado. Afinal, ainda há uns dias, uma senhora de uma loja de quadros mostrou-me uma factura de 500 contitos (dos antigos) que a CML lhe deve há 5 anos. O acordo ficou por 400 milhões, ao que parece. Costa, como bom diplomata, viu o furo da agulha do PSD. E lá se conseguiu salvar Lisboa de mais um desastre anunciado.

CONRAD com 150 velas

Joseph Conrad é um dos meus escritores preferidos. Faz agora 150 anos que nasceu e, ao recordá-lo, lembramos que ele nunca acreditou que a literatura trouxesse a verdade. Não se podia confiar nela, dizia, com toda a razão. Auden também disse que a poesia não levava a que algo acontecesse e Adorno, para rematar, considerava que, depois de Auschwitz, não havia espaço para a poesia. É capaz de não ser bem assim, mas Conrad escreveu sobre a duplicidade como nenhum outro – lembre-se “O Agente Secreto” ou “Heart of Darkness”, onde Marlow diz de Kurtz: “We live, as we dream – alone”. Vamos relê-lo?

África em Lisboa

Paninhos quentes é o que Sócrates e muitos Ferrero Roche para distribuir pelas delegações e evitar mais enjoos entre Gordon Brown e Mugabe. Mas o reencontro entre África e a EU é sobre economia e muito pouco sobre política: ou melhor, é real politik. Não é por acaso que a EU e a China se dão tão bem. E a China tem tanto poder em África…

POP NO AR

No YouTube descobrem-se coisas maravilhosas. A minha nova fixação não é a entrevista de José Sócrates aos Gato Fedorento, a humilhação suprema do líder que nunca se engana. Não: são os St Vincent, ou melhor, Annie Clark uma texana cujo primeiro álbum se chama “Marry Me”. Temas como “Landmines” (estilo trip-hop) ao muito folk com timbres que lembram Kate Bush misturado com Beck, há de tudo. Belo.

Como não posso sair de casa à noite não pude ir ver as Au Revoir Simone ao Santiago Alquimista. A sorte é que tenho o disco, “The Bird ofMusic”, um clássico das três meninas que incendiaram os corações de David Lynch e Sofia Coppola. Ao lado tenho o primeiro disco de Virgínia Astley. Que beleza!


Sopranos omertà

Em “Omertà”, o ultimo livro de Mário Puzo (“O Padrinho”), ele fala da lei do silêncio no mundo corrupto em que se movem os mafiosos. Agora que terminou, na RTP2, esta semana “Os Sopranos”, uma das mais fabulosas séries sobre este mundo, apece percorrer o caminho de volta. Tony sobrevive, num mundo em que a família da máfia se depara com os mesmos problemas de todas as outras – o crescimento dos filhos, a crise conjugal, etc. Esse foi um dos segredos de “Os Sopranos” - família corrupta que vive ao nosso lado. Que mata, mas ninguém vê. O criador dos Sopranos, David Chase, acabou a série que abre todas as portas. É uma verdadeira caixa de Pandora. Depois da chacina, à sua volta, a família Soprano está novamente com os seus problemas: AJ destrói o seu SUV, enquanto ouvem Dylan e se preparam para o sexo, quer ir para o exército e aprender árabe. Tony espera pela família no restaurante e, na jukebox, coloca “Don’t Stop Believin’”. Meadow está a chegar? A sexta série fecha um ciclo: a ascensão e queda (aparente) de Tony Soprano. Tudo tem de ser como é. Inevitavelmente. Do poder sobra o sonho. É talvez essa a grande lição de Tony Soprano aos aprendizes de política dos dias de hoje.

O CHÁ DAS CINCO

À tarde, pelas cinco, gosto de fazer chá. Perfeito, verde, com ginseng, com aromas orientais, da China, do Sri Lanka, do Vietname. GAgora descobri, no El Corte Inglês, uma nova marca inglesa: Dr. Stuart. Relaxante. De um médico botanista para o nosso prazer.

Revista fabulosa
A Interview de Novembro coloca na capa Nicole Kidman e Jennifer Jason Leigh. No interior elas são entrevistadas por um dos grandes escritores do nosso tempo, Michael Cunningham. “Margot at the Wedding”, o filme onde participam, é a razão de ser deste destaque. Nicole diz: “I believe in a little discretion, I’d rather use no words, a lot of times”. Que se espera, numa entrevista onde se fala de Madame Bovary, do Zen e de jardins…

Giro matinal

Todas as manhãs saio para ir comprar os jornais do dia, mais algumas coisas que me iluminam os olhos – uma garrafa de agua de coco brasileira, por exemplo. Passo junto à Sopa dos Pobres, onde dia após dia, a fila parece mais comprida. Não são só sem abrigo nem “agarrados” que lá estão. São pessoas simples, que deixaram de ter trabalho, porque não têm as qualificações que o regime pensa que devem ter (quando é que os serviços do Estado percebem que a pior faixa para voltar a colocar no circuito de emprego é a entre os 45 e os 55 anos?). Chama-se a isto a pobreza de um país tecnológico.

1 comentário:

Luís Miguel Afonso disse...

Este post é lindo. Pareces o Napoleão a comandar as tropas a partir do sofá. E ainda tens tempo para recomendar chá e bom vinho. Excelente...