Durante anos o BCP foi o quartel dos mais afamados guerreiros Jedi do sector financeiro português. Mas na sede do exemplo do novo Portugal, empreendedor, renovador, modernista, foi-se tecendo uma nova aliança: a do seu arquitecto maior (Jorge Jardim Gonçalves, quase o senador Palpatine do BCP), com os guerreiros Sith. O objectivo, simpático, no irresistível apelo do sucesso sem limites, era tornar a república (onde os accionistas eram mais importantes do que os executivos) num império onde os eleitores se subordinavam às ordens de alguém mais apto. Tudo correu bem até à sucessão. Quando o pretenso Darth Vader (Paulo Teixeira Pinto) se rebelou contra os Sith, foi imolado. Mas isso fez com que os Jedi restantes (à frente dos quais Joe Berardo) se revoltassem. A Berardo a democracia deve o regresso da capacidade de inquirir e não se calar. A “pax jardiniana” tornou-se então um dilema para a sociedade portuguesa. Especialmente quando as denúncias sobre irregularidades ultrapassaram a barragem do núcleo de decisores do BCP.
Mas é aí que os mistérios se tornam um enigma maior. Durante anos o núcleo decisor do BCP reforços as teias do poder eterno, perante a displicência do Banco de Portugal (como se percebe agora – a despropósito: porque é que o célebre inquérito, feito há dois anos, foi arquivado?) e a distracção da CMVM. Mas, neste momento, há questões mais inquietantes. Sempre existiu (e não é desde o 25 de Abril, é desde o tempo da monarquia, e dos célebres monopólios do tabaco) um acordo de cavalheiros e de interesses entre o Estado português e alguns dos empresários nacionais. Isso criou uma situação de dependência cruel para a sociedade civil portuguesa. Sem uma classe empresarial livre da tutela político-partidária do Estado, este país continuará a cantar um fado miserabilista.
A crise do BCP poderia ser o grito do Ipiranga da comunidade empresarial nacional face ao Estado. Mas teme-se que tal não venha a acontecer. O apetite partidário, feito à custa da “ajuda” do Estado ao maior grupo financeiro privado nacional, mostra como os partidos do “centro” político e de interesses olham para a sociedade civil portuguesa: como moços de recados. Nem se fale da tentativa de colocar Armando Vara no BCP, ou na desastrada resposta de Luís Filipe Menezes de pedir a CGD para o PSD. Quando os empresários portugueses se auto-silenciam face a este desaforo (e isto não tem nada a ver com as boas relações que podem e devem ter com o Estado, como ente público mas não partidário), sente-se que Portugal pode perder o seu gosto pela liberdade de cada um decidir.
No seu livro mais estimulante, “Victory” (em que, nem por acaso, parte da intriga se passa numa Timor recheada de portugueses), Joseph Conrad escreveu: “The world of finance is a mysterious world in which, incredible as the fact may appear, evaporation precedes liquidation. First the capital evaporates, and than the company goes into liquidation”. Não é esse o perigo do BCP: ele não será liquidado financeiramente. O problema é se ele não está a ser liquidado moralmente por presumíveis culpados e pretensos salvadores. E sobre isto, lembremo-nos, o que pensam os milhares de anónimos depositantes do BCP, a parte mais esquecida de todo este enigma?
25.12.07
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