30.11.06

A geração do déficit


Há frases que continuam actuais. Mesmo mudando os regimes e os Governos. O país é o mesmo. E pouco muda. Dizia, em 1867, Eça de Queiroz: “Numa palavra, o deficit quer antes uma atenuação que uma salvação: a atenuação liberta-nos a todos; a salvação mata os vindouros; o desleixo mata-nos a nós e aos vindouros; se vamos agravar o deficit, se não andamos prudentemente na questão financeira, se lançamos indevidamente impostos, se não cortamos certas despesas, se não coibimos certas necessidades, preparamos a bancarrota para as gerações infelizes que hão-de vir”. Por isso, nem oito nem oitenta…

Sopa dos pobres

Só os críticos malévolos, que passam a vida a difamar o Governo é que não reparam que o país está diferente. É isso que dizem os ministros de Sócrates. Eu também vejo qualquer coisita. Na Avenida Almirante Reis o país mostra que está a mudar: a fila para a sopa dos pobres, que há um ano tinha dezenas de pessoas, tem hoje centenas num carreiro interminável. Esse drama não aparece no plano tecnológico e na flexisegurança governamental.

Segurança flexível?

O Governo, sempre tão moderno, sequioso das grandes ideias que são moda no estrangeiro, quer agora importar da Dinamarca e da Holanda a “flexisegurança”. Um ministro já disse que a aplicação do conceito não será “mecânica”. Portanto deverá ser a vapor ou mesmo à vela.
Claro que aplicar um princípio vigente num país onde há mobilidade de trabalho, onde empresários e trabalhadores se entendem à mesa das negociações, onde a segurança social é eficaz (como é o caso da Dinamarca), num onde tudo isso é uma ficção dissimulada de realidade (como é Portugal), é um delírio.
O Governo português sonha acordado e julga que ninguém vê os pesadelos criados porque todos andam a dormir. Estamos de acordo com a flexibilidade. Mas e a segurança, senhor, onde é que ela está escondida? Debaixo da cama do ministro como a Maga Min?

28.11.06

Governo fotossíntese

Os ministros do Governo de José Sócrates estão reféns da matemática. Numa mão têm uma tabuada, noutra um papel pardo e, na orelha um lápis mal afiado como o que se usavam nas antigas mercearias. Têm um único problema: não sabem somar, apenas aprenderam a subtrair. A sua única actividade é o corte. Porque ainda estão a ter aulas de costura.
Agora são as universidades que vivem a soro. Nem já há dinheiro para pagar o 13º mês a professores e funcionários. E, se hoje há conquilhas magras, para o ano não sabemos. A tudo isso o Governo faz ouvidos de mercador: a sua voz troveja, dizendo que a aposta é a educação e a tecnologia. Mas, na realidade, actua como Jack, o Estripador: asfixia as universidades.
O Governo de Sócrates é o exemplo perfeito da forma como se destrói a função fotossíntese das universidades. Tira-se o oxigénio para que elas libertem dióxido de carbono. E assim nos aproximamos alegremente do Quarto Mundo.

Pérolas

No baú de tesouros desaparecidos descobri um disco de 1982, aquele que presumo ser o único álbum das escocesas Strawberry Switchblade. A versão é japonesa, onde nestes últimos anos, se têm colocado no mercado de CD muitas das pérolas desta época esquecida. O som gótico e melódico de Jill Bryson e Rose McDowall, está aqui presente e serve como luz destas tardes de pouco sol e muita chuva. Nele encontramos uma das minhas canções preferidas de sempre: Trees and Flowers. Uma visão ironicamente cruel do mundo urbano cheio de betão, onde as cantoras dizem, como se fosse um chilrear de passarinho que odeiam as flores e as árvores. Uma beleza cruel…

Misérias da idade moderna


No “The Independent” a célebre canção de Morrissey, “Heaven Knows I’m Miserable Now”, serve como mote para um texto sobre a riqueza e a pobreza das nações. A tese é simples: antigamente para se saber o grau de bem-estar de um povo somava-se a inflação e a taxa de desemprego. Quanto mais alto o índice, maior a miséria. Hoje esse índice é baixo. Baixou o desemprego e a inflação. Puras ilusões. Até porque as preocupações dos cidadãos são outras: o seu peso na sociedade e a vulnerabilidade económica da sua existência.
Muitos dos cidadãos têm visto aumentar os seus rendimentos mas a maioria, na Europa e nos EUA, perderam capacidade de compra e sentem-se inseguros com o futuro. A globalização trouxe novas oportunidades para muitos mas reforçou a insegurança na outrora fulcral classe média. E o desaparecimento desta está a corroer o sentido cívico que dava força às nossas sociedades. E chama-se a isto a revolução tecnológica e económica...

26.11.06

Darth Vader

Os Governos têm, muitas vezes, a tentação de ser pastores de almas. De domesticarem, com as suas leis, aquilo que consideram ser as ovelhas que pastoreiam. É isso que parece estar a acontecer com o executivo de Sócrates.
A possibilidade de a ERC de, entre outras coisas, obrigar as televisões a manter as grelhas de programação a 48 horas da sua emissão ou a possibilidade de mandar interromper a emissão se houver infracções graves à programação, é um sinal de fumo. Do churrasco que o Governo parece querer transformar a comunicação social. A televisão é hoje o meio mais importante para homogeneizar a sociedade que tem sido transformada em mera consumidora. De telemóveis ou de notícias.
Transformar a ERC em detective da decência é tornar o Governo no ecrã gigante da verdade. Por detrás destas leis inocentes há sempre um Darth Vader. Há muito que o Governo deixou de ser um guerreiro Jedi. Mas, ultimamente, começa a entender-se que há uma força negra por detrás das suas atitudes. Começa a ser necessário à sociedade portuguesa saber quais são as medidas do Governo com 48 horas de antecedência.

Sete vidas


Os gatos têm sete vidas. Os homens (e as mulheres) têm, aparentemente, só uma. Às vezes compreendemos como tudo é efémero. Embora há quem sonhe, erradamente, que pode transformar a sua pequena vida em ouro que dura para sempre.

Outras verdades

Na Internet há um site que já não dispenso: www.truthout.org. Como o nome indica procura ser uma voz das “outras verdades” sobre o mundo, que não se esgotam nas notícias oficiais, das “fontes” e das “agências de comunicação” mais ou menos oficiosas. O seu conteúdo integra material próprio e também uma síntese do que jornais como “The Guardian”, “New York Times” ou “Le Monde” trazem. Para entender melhor o mundo em que sobrevivemos.

24.11.06

A canção do elefante branco

Ainda antes de abrir a loja de porcelana da Ota ela já se transformou num elefante branco. Já destruiu todos os orçamentos. E o desastre promete não ficar por aqui. O que é o défice comparado com o elefante branco em que se vai transformar a Ota?

Comida global


Não suficientemente entusiasmados por todos vestirmos de forma igual, usarmos as mesmas marcas e seguirmos como cordeiros domesticados o mé-mé da globalização, há quem utilize o seu neurónio a pilhas para nos convencer que se comermos todos a mesma coisa, seremos mais um fruto do “american dream”.
Uma das maiores marcas de “fast food” norte-americanas está a tentar registar a patente de “direitos de propriedade intelectual” sobre os hamburgers e sanduíches que produz como se fossem frutos do aviário do Freixial. Isto é: se isso for aprovado, adeus sandes viçosas das nossas tascas e de tantas outras espalhadas pelo mundo. Comida global!
O que mais poderá acontecer? Bush será equiparado a “copyright”?

O prazer de ler

Nestes últimos dias tenho lido com imenso prazer “E se eu gostasse muito de morrer” de Rui Cardoso Martins. Um livro que, mais do que um cruzar de histórias sobre a melancolia e o Alentejo profundo onde o deserto da vida se vai instalando enquanto nascem mil condomínios (com vista para o campo…) em Lisboa e Porto, é um retrato do confronto da inocência com a terrível teia que é a sociedade que nos engole. Um prazer.

As excepções sem regra

O Governo gosta de dar murros na mesa. Cansa-se mesmo de os propagandear. Diz que as medidas firmes por causa do Adamastor do défice são para todo o país cumprir. Sem excepção. Só que há um sempre um “mas” neste jardim de betão. Em Portugal não há regra que não seja torpedeada por uma excepção. E, normalmente, é o próprio Governo que escorrega na casca de banana da sua firmeza. Agora, segundo parece, os estádios de futebol já não vão pagar imposto sobre os imóveis. As regras, para este Governo, estão sempre abertas a excepções que parecem bolos de creme. E, com papas e bolos…

22.11.06

O país dos pareceres

Pode não haver dinheiro para a Festa da Música. Ou para comprar equipamentos para o IPO no Porto. Ou para manter escolas e serviços de urgência no país, mas Portugal tem os bolsos cheios para esbanjar em esmolas destinadas aos mais afortunados.
Segundo parece, o OGE de 2007 tem 95 milhões de euros destinados a pagar fundamentais pareceres e estudos que, como se viu o caso do que analisou os fogos florestais deste ano, normalmente se destinam a dizer, em mais palavras, e com um aspecto gráfico mais atraente, o que já se sabia. Depois, já se antevê o que acontece. Os estudos, depois de cumprida a sua missão de serem divulgados com pompa no telejornal das oito da noite, vão parar à gaveta do esquecimento.
Faz lembrar o célebre relatório Porter. Nele gastou-se uma tonelada de dinheiro. Estudou-se o tecido económico do país e apontaram-se as vias para o futuro de Portugal. Resultado: uma década de anos depois continua a discutir-se a mesma coisa, com mais uns estudos feitos por um grupo de consultores que têm a fórmula mágica de transformar a arte do desenrasca em tecnologia de sucesso. Na Nova Zelândia sabe-se o que aconteceu. Porter disse: vocês têm mar. Dediquem-se às actividades que têm a ver com ele. Resultado: hoje a Nova Zelândia é o fornecedor dos barcos tecnologicamente mais avançados do mundo.

Tá tam tam!


A Festa da Música vai ser substituída por meia dúzia de espectáculos. Por opção cultural, segundo uns. Por falta de dinheiro, segundo quase todos.
Só sei uma coisa: aquela que é acusada de ser ministra da Cultura continua como Dom Quixote: avança sobre todos os moinhos que não giram à velocidade do seu vento. Resta saber é que, tantos passos em falso depois, o que é que está mal: ela no ministério, ou a sua política ser um mistério.
Já agora: porque não reconduzir a actividade do ministério às bandas filarmónicas? Distribuíam-se uns trocos pelo país real. Dava-se música ao povo. E bastava um funcionário para despachar os cheques. Assim poupava-se não apenas na Festa da Música, mas também no ordenado da ministra, do seu secretário de Estado, do gabinete e de tanta gente que “adora!, sei lá!!!” muitos museus lá fora e que fecha o que traz público em Portugal.

21.11.06

Frase para sublinhar

Há frases que deveriam, pelo seu simbolismo, ficar gravadas na nossa memória.
Como esta: “O protótipo do homem de sucesso na sociedade moderna não é o cientista, o inventor, o académico. É o financeiro, o jogador e os que têm poder social. Os outros dividem, às vezes, os ganhos, é verdade, mas essa divisão é modesta comparada com a dos oligarcas, e não mantêm os seus ganhos durante muito tempo”.
Palavras que anteciparam os dias de hoje e que foram escritas (quem diria?) há 50 anos por um político britânico: Aneurin Bevan. A sociedade veloz dos nossos dias encarregou-se de dar vida à bola de cristal de Bevan.

Memórias do som ausente


Nestes dias de Inverno, propícios a recordar o passado, tenho encontrado a versão em CD de muitos discos que foram a minha banda sonora na década de 80. Quando pequenas editoras apostavam na diferença e no risco e numa altura em que as rádios não estavam submetidas à ditadura das “play-lists”. Era uma época, cheia de ideais inocentes, em que as multinacionais não apostavam apenas em valores que vendiam milhões, fruto do “marketing”, da publicidade e da ligação ao que a televisão impõe como denominador comum do gosto. Lembro-me de editoras como a Les Disques du Crepuscule, a Cherry Red, a “velha” Virgin, a Rough Trade ou a Factory. De onde saíram oásis de beleza como a Joy Division, os New Order, os Smiths, os Young Marble Giants, Anna Domino, Durutti Column ou Pale Fountains. Beleza. As minhas tardes passam-se a escutar estes discos e também um, agora recuperado da obscuridade: “La Varieté” dos Weekend, o grupo de Alison Statton (a bela voz dos YMG), Spike e Simon Booth (que viria a criar os Working Week). Há aqui de tudo um pouco: influências da Bossa Nova, do jazz à canção popular francesa. É um disco grande. E sabe a pouco. Adoraria que tivessem feito mais canções, para aconchegarem tardes de nostalgia como estas.

19.11.06

Arranhadelas


A porta está fechada. Lá dentro Portugal finge que se move.

Um gato espreita, enquanto olha, também, para o mundo.

O sol continuará a iluminar o país ou vivemos em eclipse mais ou menos permanente?