3.1.08

GATO NO SOFÁ IV


A FRASE

“The lesson: in the US, match the markets; in Europe, match the banks”
Michael Hume, do Lehman Brothers, no “Financial Times”


A cigarra e a formiga
Em Portugal a fábula da cigarra e da formiga tem actores designados. José Sócrates faz de cigarra, Cavaco Silva de formiga. Basta comparar os discursos do primeiro-ministro e do Presidente para se perceber o que os divide. E é tudo. Está tudo nos seus discursos de Natal e de Ano Novo. Um está eufórico com o presente, o outro pensa no futuro.


O deserto anunciado
Sócrates e os seus ministros vão continuando a sua saudável política ecológica, desertificando o interior do país. Encerram SAP, fecham escolas primérias, deslocam funcionários estatais para cidades. É assim que, com a desculpa da redução de custos, que se promove um país ecológicamente puro: deslocando os novos do interior, promovendo o envelhecimento das pequenas localidades do interior. Quando o Estado deserta da linha da retaguarda está a dizer a todos (investidores, habitantes…) uma coisa simples: o último que feche a porta! Como é que o Governo quer investimentos no interior se aos quadros oferece “zero” em termos de condições de vida, para eles e para a família? A última teoria da conspiração que ouvi dizia: Sócrates está a ser aliciado por uma quinta coluna dentro do PS para fazer estes dislates. Será verdade?

Com papas e reformas
O Ministerio da Educação tomou uma decisão histórica: as escolas Básicas e Secundárias vão deixar de ter, na sua denominação oficial, nomes de santos ou santas. Como se imagina esta é uma das medidas fundamentais para que o ensino em Portugal deixe de ser a nulidade para onde caminha a passo de corrida… Valha-nos Santa Engracia! Como grande parte das freguesias do país também tem o nome de santos, por certo o Governo legislará brevemente para que estas também deixem de ter essa designação. Consta mesmo que a residência oficial de Sócrates passará, depois de retirado o nome “São”, a chamar-se apenas “Bento”. Será? Afonso Costa, na I República, não conseguiu ir tão longe. Que pensará António Guterres desta “medida fracturante”?


As previsões de Jancis Robinson
Jancis Robinson, no “Financial Times”, escreveu este fim-de-ano, o texto que todos os produtores e consumidores de vinho deveriam ler. É uma aula de sobrevivência para quem gira no mundo do vinho. O preços dos vinhos excelentes subiu exponencialmente (devido à procura dos clientes endinheirados da Ásia e do Leste europeu e ao surgimento de fundos internacionais de investimento em vinhos). Para Robinson 2007 terá sido o último ano dos preços de mercado masificado, até porque a subida do euro e o decréscimo da produção australiana levou a que os preços dos vinhos outrora baratos subisse substancialmente nos Estados Unidos. A França, por outro lado, regressou em força, com bons vinhos a preços interessantes. Para além disso Robinson acende as luzes do futuro próximo: o aquecimento global do planeta está a levar a que os vinhos tenham níveis alcoólicos mais altos e a cada vez mais notória falta de água em certas regiões será um problema grave. A ler e sublinhar. Para que não se admitam distrações.

Propostas vínicolas
Duas propostas vinícolas para o ano de 2008: o Branco da Herdade da Calada, feito à base das castas Verdelho e Roupeiro, é um vinho já a pensar nos dias mais quentes e que combina bem com muitos pratos alentejanos; a Herdade da Comporta também nos traz belos vinhos, tintos e brancos (bem tentador o da colheita de 2006), capazes de nos tentarem pela sua singular qualidade típica de uma zona vinícola que muitas vezes é esquecida.

Sopa de letras e sons
O ano de 2007 trouxe-me bons livros e bons discos (e alguns já tinham sido editados em anos anteriores). Para iluminar a mente e o corpo nos dias de deserto da política nacional.
Os discos:
St Vincent, com “Marry Me”, uma americana (Annie Clark) com um disco notable. As letras são verdadeiro ácido (as mulheres oiçam “Now Now”, por ejemplo) e o som é ora puro ora agreste. O meu disco do ano.
Au Revoir Simone com “The Bird of Music”, um encontro na Terra entre a pop e as vozes dos anjos, numa reminiscência de Virginia Astley e Young Marble Giants. Divino.
Tinariwen com “Aman Iman”, a rádio global que se escuta no deserto do Sahara.
Robert Wyatt, com “Comicopera”, a beleza de uma voz, ao serviço do internacionalismo na época da globalização. Por isso, para além de cantar em inglês, Wyatt canta em espanhol e italiano.
Bruce Springsteen, com “Magic”, um disco desprezado por muitos que, lamentablemente, não sabem o que o rock ainda tem de bom.
Clã, com “Cintura”, mais uma singular aventura de um dos melhores grupos de pop/rock nacionais da actualidade. Dizem-me que o concerto em Lisboa foi memoráve com o regresso das guitarras destorcidas, num ambiente quase “punk”. Irei vê-los quando voltarem.
Buraka Som Sistema e o inigualável “From Buraka to the World”. O novo Portugal em acção.
Mayra Andrade, com “Navega”, com Cabo Verde por fundo, uma voz maravillosa que abriu as portas do som do mundo.
Jerome Attal, com “Comme Elle se Donne”, a nova pop refrescante francesa.
Gabriela Montero, com todos os seus discos inovadores na música clássica.

Os livros
José Eduardo Agualusa, “As Mulheres do meu Pai” (Dom Quixote)
Raymond Aron, “Memórias” (Guerra & Paz)
Ivo Andric, “A Ponte sobre o Drina” (Cavalo de Ferro)
Maria Filomena Mónica, “Cesário Verde” (Aletheia)
António Tomás, “O Fazedor de Utopias” (Tinta da China)
Dino Buzzati, “Pânico no Scala” (Cavalo de Ferro)
John Gray, “Black Mass” (Penguin/Allen Lane)
Cesare Beccaria, “Dos Delitos e das Penas” (Gulbenkian)
Jon Savage, “Teenage: the criation of Youth 1875-1945” (Chatto & Windus)


Oriente sedutor
A revista “Oriente”, da Fundação Oriente, continua a ser um verdadeiro oásis para percebermos melhor as inúmeras ligações de Portugal ao mundo fascinante que hoje é um dos motores económicos do planeta. O número 18 inclui textos que merecem ser lidos com atenção, até porque em Portugal se esquece, com muita facilidade, as lições da História. As relações do nosso país com o Sri Lanka ou a “iconografía de fortalezas portuguesas na região do Golfo Pérsico por volta de 1600”, de Rui Manuel Loureiro, merecem destaque.

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