Water is…the oil of the 21st century.
Andrew Liveris, “chairman” da Dow Chemical, em Davos, Financial Times, 29 de Janeiro
A remodelação camaleónica
O que é que lucra um homem chegar ao pico de uma montanha se, depois, não consegue descer? O recentemente falecido Sir Edmund Hillary, sobre o assunto, dizia eloquentemente: “Eu, pessoalmente, inclino-me a pensar que é bastante importante o poder descer do cimo”. Subir ao pico (do poder, da arrogância, do dever cumprido) pode ter sido o sonho de José Sócrates quando foi eleito. Saber descer à realidade parece ser, neste momento, o seu choque frontal com o clamor da sociedade. Quando remove Correia de Campos ou Isabel Pires de Lima do Governo, Sócrates pratica um novo princípio político: a doutrina camaleónica. É a “terceira via” do Governo que descobriu que tem de governar para a “rua” e não para os gabinetes de técnicos (por muito que isso custe ao ideólogo Vital Moreira). Correia de Campos estava a impor a sua doutrina, mas nunca a faria se não tivesse o aval de Sócrates. Isabel Pires de Lima tinha instituído o imobilismo como política cultural, para pena de quem ainda sonha com o D. Sebastião, vulgo Manuel Maria Carrilho. Sócrates, ao mudar de ministro da Saúde, tem de mudar de política. Não se atira um ministro para o fuzilamento sumário se, das duas uma: ou se está a resguardar a ele próprio, imolando o cordeiro para salvar a própria pele, ou quer calar a maioria silenciosa do próprio PS, para ela não cair na tentação de seguir Alegre ou Seguro num futuro próximo. Quanto à Cultura, a história é outra: Sócrates vai buscar um gestor inteligente, que pode agradar para já à esquerda festiva, mas que sabe o rigor das contas e o valor de dividir o cheque pelos privados. Viu-se o discurso: “fazer mais com menos”. Sócrates chegou ao pico, refugiou-se demasiado tempo numa reclusão míope, mas começa a descobrir que o clamor da rua pode custar umas eleições. Nada como mudar para que tudo fique mais ou menos na mesma.
Das denúncias
Em Portugal há mais denúncias do que investigações e mais destas do que conclusões. Da mesma forma que há mais arquivamentos do que trânsitos em julgado. Tem tudo a ver com o optimismo nacional. O grito do Ipiranga de Monteiro Pinto vai rigorosamente para o cesto dos papéis arquivados. Como o próprio sabe. Ou, pelo menos, já arquivou na sua memória.
As verdadeiras questões de Davos
Muito se tem falado de Davos, do que se debateu e do que ficou nas entrelinhas do encontro onde vão os pesos-pesados da política e da finança. Depois de, no ano passado, se terem anunciado os novos tempos trazidos pela globalização, este foi um ano de vacas magras. A recessão bateu à porta e o mercado financeiro global tornou-se uma colecção de bonecas Matrioshka russas: ninguém sabe que mistério surge quando se tira uma delas. Talvez o texto que defina, com rigor, os desafios que se deparam às sociedades actuais, esteja no “Financial Times” e é assinado por Gideon Rachman. Em suma ele diz uma coisa: enquanto os financeiros estão assustados, os políticos estiveram mais livres para tentar perceber as consequências da globalização. E não estão a ficar muito bem dispostos com o que está a acontecer no topo inferior da pirâmide. Os custos da comida e da energia estão a subir, a água está a escassear. Como se isso não bastasse o clima está a mudar. E, diz Rachman, a busca de alternativas ao petróleo levou aos biocompustíveis feitos a partir do milho. Este, utilizado na alimentação, foi desviado para ali. Os biocombustíveis necessitam de muita água e com a necessidade de terras para mais comida, estão a devastar-se as florestas (a começar pelo Brasil). Os preços da comida e da energia estão a subir assustadoramente e quem mais sente isso são os que estão no topo inferior da pirâmide. Os políticos começam a ver manifestações da Indonésia e no México. E, como se não bastasse, as riquezas de petróleo e do gás no Árctico estão a levar a movimentações militares de diversas potências. O mundo está perigoso e só em Portugal é que não se repara nisso. O optimismo reina por aqui.
Disco de gatinha
É um disquinho delicioso o de Cat Power. Chama-se “Jukebox” e como o nome indica traz uma série de versões de grandes temas. De Sinatra, de James Brown, de Bob Dylan, de Joni Mitchell e de tantos outros. Cat, voz de seda num coração de gato, dá novas vidas às canções de sempre. Para cantar com ela.
Surpresa alentejana
Do Alentejo surge-nos o pujante Branca de Almeida 2004 (da Herdade dos Coelheiros) um néctar regional feito à base das castas Merlot, Alicante Bouchet e Trincadeira. Um belo aroma (a frutos vermelhos) faz, desde logo, prometer o melhor. E isso acontece, neste vinho com uma boa estrutura que indicia uma vida interessante e pode acompanhar carnes poderosas. Um bom trabalho do já conhecido enólogo António Saramago. Refira-se um pormenor não pouco importante: a ilustração do rótulo é de Bela Silva. De aplaudir.
O regresso de Serge Clerc
Foi um dos grandes ilustradores da época de ouro da pop nos anos 80. Os seus desenhos vinham na “Metal Hurlant”, na “Rock & Folk”, no “New Musical Express”. Mas também nas capas dos discos de Carmel, de Joe Jackson, dos Comateens. Depois desapareceu. Voltou agora com um livro superior, “Le Journal”. Depois de um longo silêncio (que, em entrevista à “Inrockuptibles”, descreve como “eu tive medo da minha vida”), os seus desenhos voltam. Puros.
Andrew Liveris, “chairman” da Dow Chemical, em Davos, Financial Times, 29 de Janeiro
A remodelação camaleónica
O que é que lucra um homem chegar ao pico de uma montanha se, depois, não consegue descer? O recentemente falecido Sir Edmund Hillary, sobre o assunto, dizia eloquentemente: “Eu, pessoalmente, inclino-me a pensar que é bastante importante o poder descer do cimo”. Subir ao pico (do poder, da arrogância, do dever cumprido) pode ter sido o sonho de José Sócrates quando foi eleito. Saber descer à realidade parece ser, neste momento, o seu choque frontal com o clamor da sociedade. Quando remove Correia de Campos ou Isabel Pires de Lima do Governo, Sócrates pratica um novo princípio político: a doutrina camaleónica. É a “terceira via” do Governo que descobriu que tem de governar para a “rua” e não para os gabinetes de técnicos (por muito que isso custe ao ideólogo Vital Moreira). Correia de Campos estava a impor a sua doutrina, mas nunca a faria se não tivesse o aval de Sócrates. Isabel Pires de Lima tinha instituído o imobilismo como política cultural, para pena de quem ainda sonha com o D. Sebastião, vulgo Manuel Maria Carrilho. Sócrates, ao mudar de ministro da Saúde, tem de mudar de política. Não se atira um ministro para o fuzilamento sumário se, das duas uma: ou se está a resguardar a ele próprio, imolando o cordeiro para salvar a própria pele, ou quer calar a maioria silenciosa do próprio PS, para ela não cair na tentação de seguir Alegre ou Seguro num futuro próximo. Quanto à Cultura, a história é outra: Sócrates vai buscar um gestor inteligente, que pode agradar para já à esquerda festiva, mas que sabe o rigor das contas e o valor de dividir o cheque pelos privados. Viu-se o discurso: “fazer mais com menos”. Sócrates chegou ao pico, refugiou-se demasiado tempo numa reclusão míope, mas começa a descobrir que o clamor da rua pode custar umas eleições. Nada como mudar para que tudo fique mais ou menos na mesma.
Das denúncias
Em Portugal há mais denúncias do que investigações e mais destas do que conclusões. Da mesma forma que há mais arquivamentos do que trânsitos em julgado. Tem tudo a ver com o optimismo nacional. O grito do Ipiranga de Monteiro Pinto vai rigorosamente para o cesto dos papéis arquivados. Como o próprio sabe. Ou, pelo menos, já arquivou na sua memória.
As verdadeiras questões de Davos
Muito se tem falado de Davos, do que se debateu e do que ficou nas entrelinhas do encontro onde vão os pesos-pesados da política e da finança. Depois de, no ano passado, se terem anunciado os novos tempos trazidos pela globalização, este foi um ano de vacas magras. A recessão bateu à porta e o mercado financeiro global tornou-se uma colecção de bonecas Matrioshka russas: ninguém sabe que mistério surge quando se tira uma delas. Talvez o texto que defina, com rigor, os desafios que se deparam às sociedades actuais, esteja no “Financial Times” e é assinado por Gideon Rachman. Em suma ele diz uma coisa: enquanto os financeiros estão assustados, os políticos estiveram mais livres para tentar perceber as consequências da globalização. E não estão a ficar muito bem dispostos com o que está a acontecer no topo inferior da pirâmide. Os custos da comida e da energia estão a subir, a água está a escassear. Como se isso não bastasse o clima está a mudar. E, diz Rachman, a busca de alternativas ao petróleo levou aos biocompustíveis feitos a partir do milho. Este, utilizado na alimentação, foi desviado para ali. Os biocombustíveis necessitam de muita água e com a necessidade de terras para mais comida, estão a devastar-se as florestas (a começar pelo Brasil). Os preços da comida e da energia estão a subir assustadoramente e quem mais sente isso são os que estão no topo inferior da pirâmide. Os políticos começam a ver manifestações da Indonésia e no México. E, como se não bastasse, as riquezas de petróleo e do gás no Árctico estão a levar a movimentações militares de diversas potências. O mundo está perigoso e só em Portugal é que não se repara nisso. O optimismo reina por aqui.
Disco de gatinha
É um disquinho delicioso o de Cat Power. Chama-se “Jukebox” e como o nome indica traz uma série de versões de grandes temas. De Sinatra, de James Brown, de Bob Dylan, de Joni Mitchell e de tantos outros. Cat, voz de seda num coração de gato, dá novas vidas às canções de sempre. Para cantar com ela.
Surpresa alentejana
Do Alentejo surge-nos o pujante Branca de Almeida 2004 (da Herdade dos Coelheiros) um néctar regional feito à base das castas Merlot, Alicante Bouchet e Trincadeira. Um belo aroma (a frutos vermelhos) faz, desde logo, prometer o melhor. E isso acontece, neste vinho com uma boa estrutura que indicia uma vida interessante e pode acompanhar carnes poderosas. Um bom trabalho do já conhecido enólogo António Saramago. Refira-se um pormenor não pouco importante: a ilustração do rótulo é de Bela Silva. De aplaudir.
O regresso de Serge Clerc
Foi um dos grandes ilustradores da época de ouro da pop nos anos 80. Os seus desenhos vinham na “Metal Hurlant”, na “Rock & Folk”, no “New Musical Express”. Mas também nas capas dos discos de Carmel, de Joe Jackson, dos Comateens. Depois desapareceu. Voltou agora com um livro superior, “Le Journal”. Depois de um longo silêncio (que, em entrevista à “Inrockuptibles”, descreve como “eu tive medo da minha vida”), os seus desenhos voltam. Puros.
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