29.1.07

Rumo ao céu

Crise, há alguma crise? Todos, do Governo à leal oposição, poderão perguntar isso, enquanto fazem uma sesta. As sondagens dizem tudo: a popularidade do Governo cai, a do PSD também. A audiência não gosta da telenovela política actual, mas para ela os actores são todos fracos. Afinal Portugal é um país de equilíbrios. Na pobreza somos todos mais pobres do que a galinha dos nossos vizinhos. Por isso se costuma dizer: pobres, mas honrados. Excepto, claro, os que enriquecem através dos negócios imobiliários ou dos "esquemas" tipicamente portugueses.
Isso faz lembrar uma velha história: os arranha-céus, quando surgiram nos EUA, não eram símbolos de inteligência, como imaginavam alguns europeus quando lá chegaram. Mas sim de poder e de busca de riqueza. Os americanos queriam estar próximos do céu, dos deuses. Em Portugal esses símbolos são carros de marca famosos, pavilhões gimno-desportivos e rotundas. Cada país mostra a sua noção de glória. E dos deuses que querem imitar.

22.1.07

O preço e o valor

O povo, geralmente, procura líderes políticos que não se limitem a diagnosticar os males da sociedade. Quer que eles proponham a cura. Os cidadãos de Odemira talvez gostassem de ver o ministro da Saúde a viver longe dos centros urbanos. Onde fazer contas não é tão fácil. O mais difícil é que elas resolvam alguma coisa no maior concelho do país, cujos habitantes ficam longe dos centros de decisão.
Oscar Wilde descrevia um cínico como alguém que “sabia o preço de tudo e o valor de nada”. O ministro da Saúde sabe o preço de ter serviços na periferia. Não sabe o valor de algumas coisas que eles poderiam resolver num concelho longínquo. Leu pouco Oscar Wilde e muito Milton Friedman. Assim não escuta os gritos da população que sente o que é esperar horas infinitas por uma ambulância que pode salvar uma vida. Daí a insensibilidade urbana aos mortos que se vão sucedendo em Odemira.

Promessas bonitas


Foi apenas uma cara bonita. Hoje é um exemplo do estilo de quem se sabe adaptar às rugas e à idade. Falo de Carla Bruni, que lançou um novo álbum de canções “No Promises”. Como diz ela: “entre as promessas não continuadas e a não existência delas, prefiro as primeiras”. E o que ela canta, num clima muito circunspecto, é o louvor ao que se promete e que necessitamos de acreditar para continuar a viver.

16.1.07

Os gnomos portugueses

Os gnomos são os seres que sabem. Os portugueses têm dúvidas sobre se o Estado sabe o que deveria controlar. Porque é que o 112 está uma hora inactivo em grande parte do país e ninguém repara ou procura saber? Porque é que um homem demora seis horas a chegar de Odemira a Lisboa e morre porque na idade do simplex os apoios primários são complex? Porque é que o IPO, em vez de estar em Lisboa, vai parar aos arredores?O Governo gosta que os portugueses sejam alunos bem comportados. E que não coloquem questões incómodas. Mas isso tem a ver com a relação dos políticos modernos com a comunicação social. Antigamente eles mantinham a distância e ninguém os questionava muito.
Quando chegou o Spitting Image à Grã-Bretanha e o Contra-Informação à portuguesa, os políticos surgiram como bonecos manupuláveis. Tornaram-se vulneráveis. Foi assim que se tornaram actores e que passaram a tratar os eleitores como uma plateia. Deixaram de ser gnomos. Passaram a ter autoridade que lhe foi facultada pela comunicação social. Por isso fogem às questões. Abafam-nas. Afogam-nas. E a oposição, no desejo de ser um anão sabedor no lugar do gnomo, cala-se e consente. Por isso as questões ficam sem resposta.

13.1.07

Uma centena de portugueses

Os portugueses gostam do Guiness Book de records. Adoram ter a maior árvore de Natal do mundo. Os maiores torresmos da Península Ibérica. E mesmo o melhor treinador de futebol do universo. Compreende-se. Temos de fazer um fogo de artifício com qualquer coisita. É assim que a escolha dos 100 grandes portugueses se tornou uma santa missão. A lista dos escolhidos é confrangedora: ilustra o vácuo do país pacientemente criado ao longo dos últimos séculos. Depois de termos corrido a pontapé os intelectuais e os capitalistas para a Holanda, de onde estes emigraram para a Grã-Bretanha que se tornaria um verdadeiro Império, ficámos um país criado a pão, vinho e a uma qualquer 4ª Classe mal tirada.
Isso exemplifica a nação de educação pobre e televisiva que é o Portugal deste início do século XXI. A lista mostra isso: os políticos escolhidos ou foram ditadores ou aprendizes disso. Ou são simplesmente incompetentes com razoável imagem televisiva e que surgem nas perguntas de cultura geral do "Um Contra Todos". Os homens e mulheres da cultura são os que aprendemos na escola obigatória. Surgem como artistas uns rapazes que aparecem no pequeno ecrã, a começar por um de uma telenovela. A música, cinema e teatro estão representados pelo mínimo denominador comum. É um país pobre, educacional e culturalmente, o que os portugueses escolheram para o representar. Mas talvez ele seja o símbolo de Portugal destes últimos três ou quatro séculos. Um imenso deserto.

11.1.07

Loja gourmet

O Governo tornou-se uma mercearia fina: acha que o país deve ser uma loja de conveniência com aspecto de gourmet. Por isso preza a eficiência e clama que se há gente a mais ela devia ser dispensada. A retórica governamental é bonita, mas é pena não a aplicar. Um administrador da CP andou cinco anos sem ter nada que fazer e a receber o seu soldo. Parece que o único problema do país são os que ganham magros salários. Manuel Maria Carrilho saíu da Câmara de Lisboa, porque tem não sei quantos cargos políticos e não sobra tempo para se dedicar a todos. Surge como um sofredor, embora tudo estivesse combinado dentro do PS há muitos meses. Pelos vistos não há gente a mais: existem são cargos insuficientes para algumas pessoas. E, noutros casos, dinheiro em excesso. E viva o combate ao défice, pois claro!

9.1.07

O vírus da simpatia

A nova política governamental é a simpatia. O ministro da Saúde sente simpatia pelos jovens médicos que deveriam ter sido colocados nos hospitais. E que, devido a um alegado erro informático, estão simpaticamente à espera. O ministro da Saúde criou o vírus da simpatia. Sorri contra as calinadas do seu Ministério, mas elas continuam por resolver. Quem também deve ter muita simpatia pelo Ministério da Saúde são os funcionários e utentes do hospital Curry Cabral que têm de percorrer acessos cheios de buracos típicos de uma unidade hospitalar do Terceiro Mundo. Mas como tudo se resolve com simpatia…

Velha Chicago

Um livro cintilante é Chicago Pimp de Iceber Slim. O velho mundo da cidade americana, muito anos antes do rap ter conquistado os seus dias e onde os chulos eram mais importantes do que os DJs. Uma obra seca e dura. Para conhecer o lado underground da vida que não vem nos filmes.

7.1.07

50 metros de distância

Portugal é um país sedento de contabilistas. Fazem contas terríveis. Como por exemplo: a que percentagem estamos do défice ideal. Ou: a quantos metros é preciso estar da costa para que um helicóptero salve seis pescadores. A nossa indigência à cantada à velocidade de um fado. Ou, como quem diz, muito devagarinho. O xaile é a indumentária dos portugueses: o seu prêt-à-porter. A infelicidade dos portugueses, a sua incapacidade para resolver duma vez por todas os seus dislates, é resolvida por diversas Disneylândias de trazer por casa. Seja os cartões de crédito, no caso dos cidadãos, sejam as comissões de inquérito que nunca chegam a conclusões, por parte do Governo. Em Portugal, Governo e cidadãos chocaram cada um à sua maneira o seu colesterol. Ficamos a 50 metros de salvar vidas. Ficamos a 50 metros do desenvolvimento. Nunca lá chegamos a tempo e horas. Mesmo com as chamadas “sociedades da tecnologia”.

2.1.07

O Maquiavel dos resultados

Cavaco exige resultados. Porque de promessas estão os ouvidos dos portugueses cheios. A política, sabe-se, é um conjunto de boas intenções que se esvaem à boca das urnas. O dilema maior de José Sócrates é o jet lag entre as suas promessas e aquilo que, no fim, será cumprido. Poucos políticos resistem aos ensinamentos de Maquiavel: a liderança pode prescindir dos escrúpulos, mas na altura do voto, o som melodioso das harpas dos votos soará mais alto. Que decidir? Conseguirá Sócrates ser o Maquiavel dos resultados políticos? Com vícios privados e públicas virtudes?
Governar pode ser, para Sócrates, um exercício de relações públicas, mas a política nesta altura do campeonato europeu, exige atitudes que levem à resolução dos problemas. Portugal é um país com muito jeito para fintar, mas tem pouca massa muscular. E, no mundo da economia cruel, o circo ilude uma ou duas vezes. Mas, à terceira, tudo começa a parecer falso. E leva, inevitavelmente, um país ao cadafalso.

Melodia da guerra

Por estes dias apetece voltar a ouvir uma das mais belas canções sobre a guerra de que tenho memória: Shipbuilding, de Elvis Costelo e Clive Langer. Cantada por Robert Wyatt, em 1983, sobre o conflito das Falklands, mostra como a melodia pode ilustrar o som dos tiros. Algo que nos leva a pensar no Iraque e nas verdadeiras razões que levaram à morte apressada de Saddam Hussein, como bem explicava Robert Fisk no Independent há dias: sabia demais.

1.1.07

Terceira via para a pobreza

Chegou 2007. E o Governo, depois de nos convidar a comer passas, como prazer, mostra-nos que os portugueses vão passar as passas da vida. Sócrates descobriu a Terceira Via para o sofrimento: é uma auto-estrada entre o capitalismo e o socialismo onde quem quer ter saúde ou educação paga impostos ao Estado e gasta mais uns trocos no sector privado para ter direito a um serviço. Isto é: paga duas vezes a mesma coisa.
Dou dois exemplos: o ministério da Educação fecha escolas no interior do país porque não há alunos. Em Lisboa, como os há a mais, ficam em lista de espera durante um ano ou dois para terem um local onde o Estado cumpra a sua educação. Se não tiver com vontade de esperar, vá até ao ensino privado.
Brevemente, segundo disseram a um vizinho meu, o serviço de neurologia do Hospital Dona Estefânia vai apenas estar em funcionamento no período diurno. Como ele tem uma filha com epilepsia, se esta tiver uma crise durante a noite, terá de ficar à espera de um especialista que só chega às oito da manhã. Segundo a tese do ministério da Saúde, um enfermeiro resolve o problema: com umas drogas que aliviam o sofrimento. Fantástico, não?

Tudo é espectáculo

A história da cultura urbana fez-se com movimentos como a Internacional Letrista (base da conhecida Internacional Situacionista), que editou uma série de boletim de agitação e propaganda na década de 50 do século XX. Muita da análise sobre a importância dos meios de comunicação social já estão neste Potlatch, conjunto de textos agora editados em Portugal. Uma oportunidade para reler o fundamental A Sociedade do Espectáculo de Guy Debord, que fez parte de ambos os movimentos. Foi ele que escreveu: A sociedade proclamou-se oficialmente espectacular. Ser conhecido à margem das relações espectaculares equivale já a ser conhecido como inimigo da sociedade. E não é isso que está a acontecer?

Folk melódico


A folk britânica já teve o seu apogeu. Houve uma época dourada, onde as raízes célticas e a electricidade se uniram e o resultado foram grupos como Fairport Convention, Steeleye Span ou Pentangle. Bert Jansch, um guitarrista escocês, foi um dos expoentes de uma fusão sonora que ainda apetece continuar a ouvir vezes sem conta. Agora, aos 63 anos, regressa com o álbum Black Swan, com o auxílio de nomes como Beth Orton ou Devendra Banhart. São temas melancólicos e misteriosos que escutamos aqui. Com renovado prazer.