25.2.07
O ministro embalsamado
O ministro da Saúde é um homem que colocou a cabeça numa corda e a ofereceu a Sócrates. Este mandou-o recuar e dividir para reinar. Fez acordos com algumas autarquias, mais importantes politicamente, e desprezou o diálogo com as outras. Mostrou que é um ministro de palha: com um sorriso feroz por fora e embalsamado por dentro. Correia de Campos tornou-se um ministro sem pasta de Sócrates. Cumpriu a sua missão de Dom Quixote com Manchas. Agora o primeiro-mistro retirou-lhe a pastinha do efémero poder. E lembrar-nos que ele era um "grande ténico" (que até fez um parecer técnico a favor do da desaparecida Caixa dos Jornalistas, quando não era ministro, é claro...). Que recolha ao lugar que lhe é devido: o silêncio. Porque mais não merece. Embora quem é mais do que um número não o devesse esquecer...
A lucidez de John Gray
John Gray é um dos mais lúcidos observadores da actualidade. O professor da LSE, de que a Lua de Papel acaba de editar em Portugal "Sobre Humanos e Outros Animais" (uma análise profunda sobre as fronteiras que aparentemente nos separam de quem não tem e não tem necessidade de fingir que tem códigos sociais), escreveu num dos últimos números da "Spectator" um incontornável artigo sobre a nossa civilização e o Islão. Gray desmistifica a questão dos bombistas suicidas: foi algo já usado há muitos anos pelos tigres tamil, pelos hundus marxistas-leninistas ou pelo Hezbollah nos anos 80 contra alvos argelinos, franceses e americanos. Recorda que o IRA causou mais vítimas inocentes na Grã-Bretanha do que os islamitas. E recentra a questão: o que é que a classe política quer das sociedades muçulmanas? Para ele a ideia que a tolerância leva a uma convergência de valores é uma ficção. E acrescenta: "a sociedade radical plural em que nos encontramos não é transitória rumo a um ponto situado algures no futuro, onde teremos os mesmos valores fundamentais". Vivemos num universo de certezas fast forward. Rápido demais para termos certezas. Como há tanta gente que por aí parece ter.
17.2.07
A pintura do PSD
David com a cabeça de Golias. Foi assim que Caravaggio retratou Roma. E que, talvez, nós pudéssemos utilizar para simbolizar o que se passa na Câmara Municipal de Lisboa. Carmona Rodrigues deixou de se parecer com David. Marques Mendes começa a não conseguir convencer como Golias. E Lisboa cai, mostrando perante a corte de Sócrates, que a oposição não sabe galgar a montanha do poder. Mendes deveria deixar cair Carmona para salvar, para o futuro, o PSD. Mas não. Segura o autarca e fica em défice com os lisboetas. Que costumam dar os trunfos da vitória nacional ora ao PS, ora ao PSD. Como retrataria Caravaggio o choro do moribundo Carmona Rodrigues que Mendes salva, em troca de uma sentença de morte futura? Como uma Madonna que se atira para o meio dos lobos, sabendo que o seu destino está escrito pelos deuses? No meio da tragédia, só alguém sorri com a matança: Santana Lopes. Quem diria?
Memórias infinitas
Gosto de ler livros sobre o passado. De países, de pessoas, de acontecimentos. Por isso não posso deixar de ficar a pensar num belo texto de Raúl Rivero no "El Mundo" de hoje. Sobre o escritor turco Orhan Pamuk. Como é abandonar Istambul, levar na bagagem a memória fragmetada dos cinco sentidos da vida, isto tudo para ser livre e convervar a vida? Como é estilhaçar o nosso passado e tentar colocar os cacos num outro mundo, que poderá ter outros espinhos? Ler Pamuk é entender isso, em cidades que foram zonas francas entre mundos diferentes. E que hoje colocaram minas debaixo dos pés de quem trocava ali ideias. Livremente.
10.2.07
Império interior
Vivemos numa época em que as próprias ideias andam em fast-forward. Não vivem o seu tempo real. Poucos reflectem sobre isso. David Lynch é um deles. Um sobrevivente. Os seus filmes são jogos de roleta russa da imaginação. Cada imagem é uma bala que pode abater as nossas certezas. Agora tem um novo filme, Inland Empire. Numa sua entrevista fala dos momentos em que gosta de fechar os olhos, algumas vezes por dia. Para escutar um som ou sentir uma vibração. E confessa: eu transcendo vinte minutos de manhã, vinte minutos depois de almoço e tudo melhora. Gostava de ser como Lynch. Só assim se poderia criar Twin Peaks ou Mulholand Drive. Viagens em busca do lusco-fusco das sombras da mente.
6.2.07
Púdicas virtudes
"Pecados Íntimos" é um filme sobre a guerra civil que dilacera o interior dos seres humanos. Não há aqui "fogo amigo": todos são atingidos pelas balas de recentes paixões, de velhas amarras, de falsas inocências e de culpas que não se limpam com o passar do tempo. Todos se queem libertar. Mas há quem arrisque. E há quem se esconda. O realizador Todd Field traz-nos um filme que é uma mina colocada debaixo de todas as nossas certezas. Apetece revê-lo. E ver Kate Winslet, despojada, sem medo do seu corpo e das suas rugas. As virtudes podem aqui ser púdicas. Mas a privacidade está lá. Com cicatrizes de todas as culpas.
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